Cresci acreditando que acompanhar as “notícias” faz de você um cidadão melhor. Oito anos depois de ter desistido da esgotosfera, essa ideia agora me parece ridícula.
Estou a falar aqui principalmente sobre acompanhar os noticiários nas TVs comerciais e nas infames redes sociais. Ressalvo que este post não é uma acusação ao jornalismo como um todo. Reconheço que há um grande valor em investir tempo lendo um artigo analítico de 5.000 palavras em uma publicação de alto nível, como por exemplo as excelentes publicações inglesas Unherd, ByLineTimes e suas equivalentes em outros países e línguas, o que eu faço diariamente.
O que descobri nesses anos de exílio das redes sociais é que, se você parar de acompanhar as mídias de baixo nível [Facebook, WhatsApp, CNN, Globo, etc, etc.], mesmo que por apenas um mês, o hábito de consumir notícias vindas desses meios começa a parecer bastante feio e desnecessário, não muito diferente de como um fumante só percebe o cheiro ruim do tabaco quando ele para de fumar.
Nesta postagem uma faço uma pequena lista de algumas coisas que você vai notar se você fizer uma pausa no consumo de lixo informático digital.
A) Alívio na ansiedade
Uma coisa comum que você sente ao desistir da esgotosfera é uma melhora no humor. Seus amigos viciados em smartphones dirão que você é anti social, ou que você enfiou a cabeça na areia. Eles não percebem que o que você pode obter sobre o mundo a partir das “notícias” não chega nem perto de ser uma amostra representativa do que está realmente acontecendo no mundo. Os produtores comerciais de notícias não estão interessados em criar um retrato fiel do mundo. Eles apenas selecionam o que é a) incomum, b) horrível e c) popular. Portanto, a ideia de que você pode ter uma noção significativa do “estado do mundo” assistindo às “notícias” é absurda.
Os editores de jornais populares [isto é, TODOS] exploram nosso viés de negatividade. Evoluímos para prestar atenção ao que é assustador e irritante, mas isso não significa que o medo ou a raiva sejam úteis. Uma vez que você para de assistir, fica óbvio que o objetivo principal das reportagens é agitar e consternar o espectador.
O que aparece no noticiário não é “o portfólio de preocupações da pessoa conscienciosa”. O que aparece é o que vende, e o que vende é o medo e o desprezo por outros grupos de pessoas.
Faça seu próprio portfólio de notícias. Você vai obter melhores informações sobre o mundo de fontes mais profundas – que redigem as noticias, ao invés de “agregá-las”. Noto aqui que, pelos meus padrões, nenhuma publicação brasileira se encaixa nessa matriz [isso inclui o outrora venerável Estadão].
B) Você nunca realiza algo útil assistindo ao noticiário
Se você perguntar a alguém o que eles verdadeiramente realizam assistindo ao noticiário, ou a que conclusões eles chegam, ouvirá noções vagas como: “É nosso dever cívico nos manter informados!” ou “Preciso saber o que está acontecendo no mundo” ou “Não podemos ignorar esses problemas” – nada disso responde ao que foi perguntado.
“Estar informado” soa como uma realização, mas também implica que qualquer informação serve. Para certas pessoas é possível se informar lendo uma tabela de horário de ônibus.
Um mês depois de deixar as “notícias”, você vai perceber que é difícil citar algo útil que foi perdido. Torna-se claro que aqueles anos de acompanhamento das “notícias” não representaram praticamente nada em termos de melhoria na sua qualidade de vida, ou de conhecimentos duradouros, ou sua capacidade de ajudar os outros. E isso sem falar no custo de oportunidade. Imagine se você gastasse o mesmo tempo aprendendo um idioma ou lendo livros e ensaios sobre os mesmos assuntos que eles mencionam nos noticiários.
Você descobrirá que sua abstinência das “notícias” não resultou em eventos políticos piores do que os que já estavam acontecendo, e que coisas como esforços de socorro em desastres ou o combate à fome continuaram sem o seu envolvimento, como sempre. A conclusão é que seu tempo perdido em monitorar o “estado do mundo” na verdade não afetou o mundo e nem mudou nada. Herdamos de algum lugar – talvez da época em que havia apenas uma hora de notícias por dia – a crença de que ter uma consciência superficial das questões mais populares do dia é de alguma forma útil para aqueles mais afetados por elas.
C) Conversas relacionadas a eventos do noticiário = pessoas falando besteiras
Quando você para de fazer o jogo dos produtores comerciais de “notícias” diárias e observa atentamente as pessoas falando sobre os “acontecimentos”, você vai perceber que quase ninguém sabe realmente do que está falando.
Há um abismo extraordinário entre ter uma compreensão funcional de um problema e o olhar superficial que você recebe das mídias populares. Se você se deparar com uma conversa no bebedouro do escritório sobre um assunto que você por acaso conhece muito, você verá as pessoas estão dispostas a falar com ousadia sobre questões sobre as quais nada entendem. Sabemos que é irresistível fazer comentários agressivos e tomar posições duras, mesmo quando estamos errados, e as “notícias” das TVs e do Facebook nos dão a forragem perfeita para isso. Quanto menos você souber sobre um assunto, mais fácil será fazer declarações ousadas sobre ele.
D) Existem maneiras melhores de “ser informado”
Todos nós queremos viver em uma sociedade bem informada. As notícias informam as pessoas, mas quase nunca as informam particularmente bem. Existem muitas fontes de “informação”. A parte de trás do seu frasco de xampu contém “informações”. Em 2022 há muito mais informação por aí do que podemos absorver, então é preciso escolher bem o que merece nosso tempo. As “notícias” fornecem informações em volume quase infinito, mas com profundidade muito limitada, e claramente pretendem nos agitar mais do que nos educar.
Cada minuto gasto consumindo notícias é um minuto em que você fica indisponível para aprender coisas úteis sobre o mundo de outras maneiras. Os brasileiros provavelmente acompanham no Whatsapp e Facebook milhões de horas de cobertura de notícias todos os dias. Isso é uma enorme quantidade de livros não lidos.
Leia três livros sobre um assunto e você saberá mais sobre esse assunto do que 99% do mundo. Se nos preocupamos apenas com a amplitude da informação, e não com a profundidade, não há muita diferença entre “manter-se informado” e “permanecer mal informado”.
E) “Estar preocupado” nos faz sentir como se estivéssemos fazendo algo
As “notícias” são sempre sobre injustiças e catástrofes, e naturalmente nos sentimos desconfortáveis ao ignorar histórias nas quais as pessoas estão sofrendo. Por mais superficiais que os noticiários de TV possam ser, as questões relatadas neles são (geralmente) reais. Muito mais reais do que podem parecer através de uma televisão ou de um smartphone. As pessoas estão sofrendo e morrendo, o tempo todo, e ignorar uma representação desse sofrimento, mesmo uma representação cínica e manipuladora, nos faz sentir culpados.
Então pensamos: “o mínimo que podemos fazer é não ignorar isso”. Então lá estamos nós a assistir à cobertura da tragédia na TV, com os olhos lacrimejantes e com um nó na garganta. Mas o fato é que ficar nesse nível de “preocupação” não vai ajudar ninguém – vai apenas, talvez, aliviar um pouco nossa própria culpa.
E eu me pergunto se há uma espécie de “efeito de substituição” em ação aqui. A sensação, e a falsa crença, de que “pelo menos eu me importo” pode, na verdade, nos impedir de fazer algo concreto para ajudar ou influir nos acontecimentos, porque, ao observar com simpatia, não precisamos confrontar a realidade de que não estamos fazendo absolutamente nada a respeito do que estamos vendo.
Observar os desenvolvimentos de um desastre, mesmo quando não fazemos nada, pelo menos parece um pouco mais compassivo do que desligar. A verdade é que a grande maioria de nós não dará absolutamente nenhuma ajuda às vítimas das atrocidades que acontecem neste mundo, sejam elas televisionadas ou não. E isso é difícil de aceitar em um nível básico de consciência. Mas se pudermos pelo menos mostrar preocupação, neste mundo regido pelas aparências, podemos permanecer não envolvidos sem nos sentirmos não envolvidos.
Esta talvez seja a maior razão pela qual tememos nos desligar das notícias. E também pode ser a melhor razão para fazê-lo.