Por Que Ainda Escondemos Nossas Meias?

Vivemos numa época em que compartilhamos selfies de férias, nossa localização em tempo real, e até nosso DNA e batimentos cardíacos com apps e plataformas, tudo sem pensar duas vezes. Mas tem uma coisa que seguimos protegendo com unhas e dentes: nossa mala.

Malas transparentes
O que há um uma mala? – Imagem: Grok

Malas transparentes

O conteúdo médio de uma mala de mão ou despachada não é exatamente revolucionário, algumas roupas, itens de higiene pessoal, talvez um notebook ou um livro de bolso. Ainda assim, insistimos em malas opacas, como se o conteúdo fosse extremamente íntimo. É um hábito herdado, não algo que paramos para questionar. Mas talvez esteja na hora de perguntar, por quê?

Teatro da privacidade, o jogo que continuamos jogando

Esse instinto de esconder nossas coisas não tem tanto a ver com proteger informações pessoais, é mais um ritual social que repetimos automaticamente. Cobrimos nossas malas não porque é necessário, mas porque “todo mundo faz assim”. É comportamento no modo automático.

E aqui está a ironia: já abrimos mão da maioria dos nossos dados realmente privados, de tudo o que era realmente importante. Nossos celulares nos rastreiam, assistentes de voz transcrevem nossas conversas, algoritmos analisam nossos hábitos de compra. O viajante moderno já é, na prática, transparente em quase todos os sentidos importantes.

Mesmo assim, seguimos apegados à opacidade das malas, como se mostrar nossas meias fosse mais invasivo do que entregar nosso rosto para o reconhecimento facial na imigração.

Malas transparentes só pra contrariar

Imagine como tudo mudaria se invertêssemos a norma; se surpreendêssemos o Sistema: Uma mala feita de material transparente e resistente, onde a segurança do aeroporto pudesse verificar o conteúdo em segundos, sem raios-X, sem revistas aleatórias, sem precisar abrir a mala na frente de estranhos.

Malas transparentes não são só uma novidade estética, são um desafio ao status quo. Elas nos fazem perguntar, afinal, o que estamos escondendo?

E a resposta, na maioria dos casos, é, nada que realmente importe.

Transparência voluntária, benefícios reais

Ninguém está sugerindo que a transparência seja obrigatória. Mas imagine um programa voluntário, você escolhe usar uma mala transparente e, em troca, ganha acesso a:

  • Filas expressas de triagem
  • Menos revistas invasivas
  • Descontos em taxas de bagagem ou embarque prioritário

Assim como o TSA PreCheck ou o Global Entry, seria um modelo de adesão comportamental, você abre mão de um pouco da privacidade superficial em troca de ganhos significativos em tempo, conforto e eficiência. E, diferente do PreCheck, não precisa fornecer digitais nem passar por análise de antecedentes, só estar disposto a ser prático.

O obstáculo psicológico

A resistência a essa ideia não viria dos profissionais de segurança, mas dos próprios viajantes. Não porque têm algo a esconder, mas porque acham que têm. A privacidade das malas virou algo emocional, não racional.

Mas se pararmos para refletir, veremos que grande parte do valor que damos a esse singelo sigilo é imaginário. O que está em jogo, de verdade, é o nosso apego a um hábito. E talvez, apenas talvez, já esteja na hora de mudá-lo.

O argumento pela clareza

Malas transparentes representam mais do que um embarque mais rápido. Elas refletem uma mudança de mentalidade. Um desejo de parar de fingir que nossos pertences são especiais. Um reconhecimento de que o conceito de privacidade, quando desfocado, se torna ineficiente. E um pequeno, mas significativo, passo em direção a um sistema de viagens que prioriza a lógica em vez de rituais ultrapassados.

Num mundo que já enxerga tanto de nós, por que não deixar que veja nossas meias também?


Entre Xandão e Xitter, sou mais amigo das VPNs

Aproveitando a celeuma causada pelo affair STF versus X/Twitter, vou tecer breves comentários – desapaixonados, para uso de estudantes pesquisando a Internet – na tentativa de destacar a importância das VPNs, abordando sua utilidade e legitimidade, algumas vantagens e desvantagens.

Imagem deum  laptop acessando uma vpn
Imagem – Pexels.com

Não vou escrever sobre provedores de serviço específicos no corpo da postagem, mas estou aberto a perguntas na seção de comentários, onde poderei dar uma ou duas sugestões pessoais, sem compromisso, aos leitores interessados.

Liberdade e privacidade – O dilema digital moderno

Em uma era em que cada clique e cada tecla podem ser rastreados, manter a privacidade online se torna imperativo. As VPNs oferecem uma solução robusta para esse dilema, criptografando sua mensagem e mascarando seu endereço IP. Essa criptografia impede que olhares curiosos — sejam eles ISPs, hackers ou até mesmo entidades governamentais — monitorem suas atividades online. Para aqueles que vivem em países com censura rigorosa na internet, as VPNs se tornam uma tábua de salvação, permitindo que os usuários contornem firewalls restritivos e acessem informações livremente.

Garantindo a liberdade de expressão

Um dos argumentos mais convincentes a favor das VPNs é seu papel em garantir a liberdade de expressão. Em regiões onde expressar opiniões divergentes pode ter consequências terríveis, as VPNs fornecem uma ferramenta crítica para contornar a censura. Elas permitem que os usuários acessem informações globais sem restrições, capacitando assim os indivíduos a expressar seus pensamentos e opiniões sem medo de retaliação.

Ao rotear o tráfego da internet por meio de servidores em diferentes países, as VPNs ajudam os indivíduos a contornar as restrições locais e acessar plataformas e conteúdos bloqueados em seu próprio país. Essa capacidade não apenas promove a liberdade de expressão, mas também um discurso global mais aberto e inclusivo.

Uso Corporativo

No mundo corporativo, VPNs são indispensáveis ​​para garantir acesso remoto seguro, eficiente e flexível aos recursos da empresa. À medida que as empresas adotam cada vez mais modelos de trabalho híbrido e remoto, as VPNs fornecem uma solução crítica para manter a segurança e a produtividade.

  • Acesso Remoto Seguro

As VPNs permitem que os funcionários se conectem com segurança às suas redes corporativas de praticamente qualquer lugar. Isso é especialmente crucial à medida que as empresas adotam arranjos de trabalho remoto e híbrido. Ao criptografar dados transmitidos entre funcionários remotos e a rede corporativa, as VPNs protegem informações confidenciais de possíveis interceptações e ameaças cibernéticas. Isso garante que os dados confidenciais da empresa permaneçam seguros, mesmo quando acessados ​​por redes públicas não seguras.

  • Proteção de Dados Aprimorada

Além de proteger conexões remotas, as VPNs desempenham um papel significativo na proteção da integridade dos dados. Ao rotear o tráfego da Internet por túneis criptografados, as VPNs protegem contra violações de dados e acesso não autorizado. Isso é vital para proteger a propriedade intelectual, as informações do cliente e outros dados comerciais confidenciais de possíveis ataques cibernéticos.

  • Controle de acesso e flexibilidade

As VPNs também aumentam a flexibilidade operacional ao permitir que os funcionários acessem sistemas internos, aplicativos e recursos como se estivessem fisicamente presentes no escritório. Essa integração perfeita oferece suporte à produtividade e à colaboração, permitindo que as equipes trabalhem efetivamente em diferentes locais. Além disso, as VPNs facilitam o gerenciamento de controles de acesso, garantindo que apenas pessoal autorizado possa acessar recursos de rede específicos.

Vantagens de usar VPNs

  • Segurança aumentada

As VPNs oferecem benefícios substanciais de segurança. Ao criptografar seu tráfego de internet, elas protegem informações confidenciais de ameaças potenciais. Isso é particularmente crucial ao usar redes Wi-Fi públicas, que são os criadouros para criminosos cibernéticos em sua sanha de interceptação de dados. As VPNs atenuam esses riscos criando um túnel seguro para as atividades online.

  • Anonimato e privacidade

O anonimato é um recurso essencial das VPNs. Ao mascarar seu endereço IP, as VPNs tornam significativamente mais desafiador para sites e anunciantes rastrear seu comportamento online. Essa camada adicional de privacidade pode ajudar a reduzir anúncios direcionados e evitar práticas de coleta de dados que muitos consideram intrusivas.

  • Acesso a conteúdo restrito

Outra grande vantagem das VPNs é sua capacidade de contornar restrições geográficas. Esteja você viajando para o exterior ou simplesmente procurando acessar conteúdo disponível apenas em regiões específicas, as VPNs permitem que você se conecte a servidores em diferentes países, concedendo acesso a uma gama mais ampla de conteúdo e serviços. Esse recurso é particularmente útil para serviços de streaming, onde as bibliotecas de conteúdo variam de acordo com a região geográfica.

Desvantagens e considerações

  • Velocidades reduzidas

Embora uma VPNs ofereça vários benefícios, ela pode às vezes afetar a velocidade de conexão. Essa lentidão ocorre porque os dados precisam viajar por servidores adicionais, o que introduz a chamada latência. A extensão da redução de velocidade depende de vários fatores, incluindo a qualidade do serviço VPN e a distância entre você e o servidor.

  • Não é uma panaceia

Nenhuma pessoa razoável deve crer em panaceias, e as VPNs não são uma. Embora elas melhorem a segurança online, elas não são uma cura para todos os males. Por exemplo, elas não protegem contra ataques de phishing, ou contra malware. É necessário, portanto, complementar o uso de VPN com outras práticas de segurança, como empregar senhas fortes e ter cautela com links e anexos suspeitos – enfim, coisas que sabemos desde os primórdios da Internet mas temos uma formidável resistência em implementar.

  • Considerações legais e de legitimidade

O uso de VPNs é legal e no Brasil e na maioria dos países ocidentais, mas há exceções. Em algumas regiões, usar uma VPN pode ser contra a lei ou pode ser restrito em circunstâncias específicas. Além disso, embora as VPNs em si sejam ferramentas legítimas, nem todos os provedores de VPN são criados iguais. É essencial escolher um provedor respeitável que mantenha uma política rigorosa de não retenção de registros e empregue padrões de criptografia fortes. Alguns serviços de VPN menos escrupulosos podem comprometer sua privacidade registrando dados do usuário ou mesmo vendendo-os a terceiros.

O mundo depende das VPNs

Concluindo, as VPNs não são apenas um luxo tecnológico, mas uma ferramenta fundamental na era digital. Elas oferecem segurança avançada, protegem a privacidade e garantem a liberdade de acesso às informações. Embora haja desvantagens, incluindo potenciais reduções de velocidade e considerações legais, os benefícios gerais das VPNs as tornam um ativo valioso para qualquer pessoa preocupada com privacidade e liberdade online.

À medida que a tecnologia evolui, o cenário da privacidade e segurança digital também evoluirá. O futuro das VPNs provavelmente verá avanços em protocolos de criptografia, interfaces mais amigáveis e maior integração com outras ferramentas de segurança. Além disso, à medida que a conscientização global sobre questões de privacidade digital cresce, as VPNs terão um papel cada vez maior desempenhar na defesa e proteção da liberdade de expressão e dados pessoais.

Recursos

VPN – Wiki

https://pt.wikipedia.org/wiki/Rede_Privada_Virtual

O que é uma VPN

https://br.norton.com/blog/privacy/what-is-a-vpn

Redes Privadas Virtuais

https://www.gta.ufrj.br/ensino/eel879/trabalhos_vf_2015_2/Seguranca/conteudo/Redes-Privadas-Virtuais-VPN/Arquitetura-VPN.html

Os Fakes de Elon

No final da semana passada, minha página inicial do Youtube foi subitamente inundada por uma onda de “eventos ao vivo”.

Figura de uma mulher ao computador.
Imagem: pexels.com

Conforme eu rolava para baixo, havia pelo menos cinco desses eventos acontecendo simultaneamente, todos com Elon Musk. Sabemos que ele é um cara que entende de tecnologia, mas, a menos que tenha havido um avanço previamente não anunciado na clonagem humana, me pareceu óbvio que nem mesmo ele poderia dar cinco palestras em cinco locais diferentes ao mesmo tempo.

Assistir a um desses vídeos por alguns minutos levantou algumas “bandeiras vermelhas”, já que o avatar de Musk continuava repetindo a mesma coisa várias vezes: “Digitalize o código QR na tela. Deposite Bitcoin ou Etherium. Duplique seu dinheiro.” (Estou parafraseando, mas essa era a essência das mensagens.). E os vídeos pareciam haver sido digitalizados de fitas VHS de 1995.

Como é possível que alguém com capacidade mental além do tronco cerebral possa cair nesses esquemas está completamente além da minha compreensão.

Detectar golpes é uma habilidade. Uma habilidade difícil, que você tem que desenvolver constantemente. Muitos não confiam em si mesmos o suficiente para fazer isso, ou não têm tempo ou não estão dispostos a fazer o esforço. Ou talvez não saibam por onde começar. Eu pessoalmente comecei meu esforço estudando o chamado sequestro emocional. Depois, desenvolvi regulação emocional para superá-lo.

Diariamente, passo um tempo pensando em meus vieses cognitivos, para entendê-los (são esses vieses que impedem as pessoas de ver um golpe sendo armado). Pesquiso falácias lógicas (como expressamos esses vieses cognitivos). Quanto mais eu me dedico, mais fácil é detectar um golpe.

Meu cérebro é plástico, mas nada disso veio naturalmente. Tive que trabalhar duro para desenvolver defesas. Mas se eu posso fazer isso, qualquer um pode. Não sou de forma alguma uma pessoa superinteligente. É triste que esses temas não façam parte do nosso sistema educacional – talvez os donos do mundo prefiram gado irracional a humanos pensantes.

Regular e taxar

A tecnologia de A.I. é impressionante, mas por que alguém confiaria em influenciadores sem fazer qualquer questionamento? Musk, motivo deste post, por mais admirável que seja, provou repetidamente que não é confiável. Nos casos em que seus empreendimentos tiveram sucesso, foi apesar de suas contribuições, e não por causa delas, e sempre que ele assume um papel mais ativo em seus negócios, o empreendimento geralmente sofre (veja por exemplo Tesla). Se vejo Musk endossando qualquer coisa — mesmo um endosso genuíno — imediatamente me torno mais cético em relação ao que ele está endossando.

As empresas de mídia social não só não estão realmente interessadas em bloquear ou remover esses conteúdos (afinal eles geram muito tráfego) como também, a bem da verdade, no momento elas não têm como removê-los, mesmo que quisessem. Os anúncios são exibidos em tempo real a partir de servidores de terceiros. No momento em que uma empresa bloqueia um anúncio fraudulento, ele pode já ter desaparecido, ou reaparecido com alterações suficientes para evitar o bloqueio. Esses são problemas estruturais de origem que precisam de dinheiro para serem enfrentados.

Como a Big Tech se recusa a dedicar quaisquer recursos sérios para controlar fraudes, golpes e roubos baseados na Internet, ela DEVE ser regulamentada e taxada sem piedade pelo governo federal para que os cidadãos sejam protegidos da anarquia e da ganância da Internet. O Facebook e o Google podem se dar ao luxo de gastar algumas centenas de milhões ou um bilhão extra para limpar seu site, seus aplicativos e algoritmos, mas ao invés disso eles preferem lucrar com o caos. Lucros anuais do Facebook nos últimos quatro anos: US$ 30 bilhões. Lucros anuais do Google no mesmo período: US$ 154 bilhões.

Regulamente e taxe a fonte do problema e o problema desaparecerá em grande parte. Mais impostos e mais proteção ao consumidor, e menos capitalismo abutre não regulamentado e subtributado.

Reféns pelo Smartphone

Há mais de 25 anos, o CEO da Sun Microsystems, Scott McNeally, anunciou: “A privacidade está morta. É melhor se conformar!”

Smartphone addicts
Imagem: Pexels.com

Tudo o que ocorreu desde a vasta expansão dos poderes de vigilância, primeiro na mobilização mundial na Guerra contra o Terror, depois com a ascensão do capitalismo de vigilância, facilitado pelos avanços na tecnologia de telefonia móvel, transformou qualquer noção razoável de privacidade em um anacronismo pitoresco.

Somos cada vez mais obrigados a carregar um smartphone. Nem sabemos porque, mas precisamos que eles participem conosco de eventos esportivos, da exibição de filmes, de festas, destranquem portas, chamem o táxi, ou nos liberem a catraca do metrô. A ascensão da autenticação de dois fatores torna o smartphone ainda mais necessário.

Sem meu telefone eu nem consigo mais pedir comida no restaurante cheio de garçons onde estou sentado(!) – nem consigo acessar minhas contas de trabalho. Por que diabos eu tenho que carregar uma pequena lápide de plástico e vidro de seis mil reais só para pedir uma pizza? Por que tenho que carregar um rastreador apenas para fazer login na minha conta de trabalho?

Amazon, Google, Facebook, Apple — e o resto da matilha — há muito perceberam que estão sentados em um tesouro de informações sobre quais sites visitamos, em que gastamos dinheiro, com quem conversamos, onde vamos e quais são nossos interesses. Além disso, por meio de Alexa, Siri, Roomba e outras ferramentas semelhantes, eles mapeiam nosso ambiente há anos. Conhecem a fundo nossa intimidade.

Reféns

Valentões nas redes sociais da extrema direita vivem a proclamar suas visões de liberdade de expressão absoluta. Há uma ironia cósmica no fato de eles usarem smartphones para suas diatribes.

A degradação do ambiente de negócios, em que empresas fornecedoras de bens e serviços se transformam rapidamente em esquemas rentistas, somada à corrosão dos valores éticos tradicionais sob os quais o próprio capitalismo floresceu, tornam possível imaginar uma situação-limite em que, à medida que procuram continuamente novos fluxos de receita, as corporações acabarão por decidir nos cobrar para NÃO divulgar o conhecimento que acumularam sobre nós. Uma “taxa de proteção”, por assim dizer. Afinal, eles dirão, custa dinheiro manter em sigilo tudo o que eles sabem sobre nós – o que explica em parte por que eles já vendem nossas informações para empresas de marketing e grupos políticos.

Por que essas corporações deveriam se contentar com a venda de nossos dados a apenas algumas centenas ou alguns milhares de empresas clientes, quando centenas de milhões de indivíduos podem [e talvez queiram muito] pagar para manter certas informações fora do alcance dos outros e do domínio público?

O problema fundamental é que a eletrônica e o software hoje são projetados para servir aos interesses de seus desenvolvedores acima dos interesses de seus usuários. Não são apenas telefones. Corporações de todos os tipos nos rastreiam, nos medem, nos classificam. O mesmo acontece com nossas informações de cartão de crédito – todas as compras, registradas por hora e local.

A questão não deve ser se e quanto rastreamento ou coleta de dados pessoais por fabricantes de dispositivos é aceitável. O debate deve ser sobre o que é do melhor interesse do usuário e o que o usuário realmente deseja que os serviços digitais façam com seus dados.

É preciso criar consciência de consumo – assim como fizemos com o cigarro – e uma atitude crítica, de sistemática desconfiança com relação aos fornecedores de bens e serviços eletrônicos/digitais. É preciso criar salvaguardas legais e éticas para que software e dispositivos eletrônicos sejam obrigados a agir sempre como agentes do usuário [um exemplo clássico de como seriam tais salvaguardas – embora um pouco deslocado neste contexto – são as Três Leis da Robótica, de Isaac Asimov]

O que me assusta é a falta de preocupação com a privacidade por parte dos “millenials”. A atitude dos jovens ao meu redor, dos filhos dos meus amigos, etc., é a de que, se eles não estão fazendo nada de errado, por que então se preocupar? Tento explicar a eles o que pode acontecer se um dia de repente alguém decidir que o que eles sempre fizeram se tornou ilegal, ou imoral. E o que acontece se alguém plantar falsas evidências de crimes em seus ambientes virtuais, ou dispositivos eletrônicos? Eles simplesmente não parecem entender a gravidade. Isso realmente me assusta e me faz perguntar a razão pela qual a privacidade foi permitida a se deteriorar a esse nível.

Visão de uma Distopia

Na Índia, carregar um smartphone se tornou absolutamente obrigatório [o que, por si só, configura cerceamento à liberdade]. Você não pode realizar nenhuma transação online sem um smartphone, porque por padrão os códigos das transações (OTP) são enviados para ele. Seu número de telefone se tornou sua identidade, e é usado como credencial de login na maioria dos sites.

O pagamento por telefone tornou-se tão difundido que muitas empresas não mais aceitam dinheiro – elas não querem o incômodo de devolver troco, por exemplo. Os idosos e pessoas portadoras de deficiência lutam com as idiossincrasias de um smartphone: o wi-fi de repente desliga no meio da transação; golpistas pedindo para você repassar códigos OTP; robocalls te infernizando a cada cinco minutos; pop-ups aleatórios pedindo para você baixar coisas…. O horror, o horror.

Nós brasileiros estamos caminhando rapidamente para uma situação de pesadelo como a vivida na Índia, considerando a falta de conhecimento tecnológico de nossas legislaturas e tribunais, combinada com a fraqueza e inação de nossas agências de regulamentação. Aqui no Brasil até mesmo a venerável e muy tecnológica Receita Federal nos obriga ao uso de software JAVA, escrito em código semi proprietário, na entrega da declaração de renda (o quão louco é isso?). E nem vou me dignar a comentar essa coisa gosmenta que é o Pix.

Visão de outra Distopia

Nos EUA, grupos antiaborto já estão usando as informações coletadas nas plataformas digitais – publicadas voluntariamente pelos usuários via smartphones – para espionar as pessoas, desde os aplicativos de fertilidade que rastreiam os ciclos menstruais das mulheres até o uso de tecnologia móvel de geo-fencing [perímetro virtual estabelecido por GPS] para bombardear com mensagens anti aborto as pacientes em, ou a caminho de, clínicas de aborto. Essa prática também tem sido cada vez mais adotada pelos órgãos de aplicação da lei através dos chamados “mandados para geo-fencing reverso”.

Através do geo fence reverso em torno de clínicas de aborto a polícia pode, por exemplo, pedir ao Google informação sobre todos os que estiveram dentro de em certo raio a partir de um local específico, em um horário específico, com base nas informações em seus telefones. Então eles cruzam as informações para gerar possíveis pistas a partir disso.


Vivemos na era da tirania do capitalismo de vigilância, é certo. A menos que muitas coisas mudem drasticamente, o que não prevejo, a privacidade não voltará.

Por meu turno, só espero que um dia, depois que a neblina dessa época insana se dissipar, as pessoas – se ainda houver pessoas – tenham clareza mental para compreender – e lamentar – a dimensão do tesouro que foi perdido.

Algo Sobre o Google para Animar a Blogosfera

É uma injustiça, um verdadeiro crime, que, por causa de um mísero algoritmo, toda a Internet fique isolada, sem acesso aos nossos maravilhosos blogs, cheios de conteúdo, charme intelectual, tirocínio e estilo. Mas felizmente isso está para mudar.

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Imagem: Pexels.com

O Google anunciou ontem [18/08] que vai lançar atualizações em sua ferramenta de pesquisa nas próximas semanas, com o objetivo de facilitar o descobrimento de conteúdo de alta qualidade. Assim informa a reportagem do TechCrunch:

As novas melhorias de classificação buscam reduzir o conteúdo de baixa qualidade ou não original – que atualmente goza de uma classificação alta nos resultados de pesquisa. O Google diz que a atualização terá como alvo o conteúdo criado especificamente para melhorar a classificação nos mecanismos de pesquisa – conhecido como conteúdo “SEO-first”.

Os testes da empresa mostraram que a atualização vai melhorar os resultados que os usuários encontram ao pesquisar conteúdo, como materiais educacionais online, artes e entretenimento, compras e conteúdo relacionado à tecnologia [agradeço e coloco aqui um emoji de carinha agradavelmente surpresa].

As novas atualizações devem ajudar a reduzir o número de sites de baixa qualidade nos resultados, aqueles que aprenderam a manipular o sistema otimizando o conteúdo para ter uma classificação alta nos resultados de pesquisa. O Google diz que os usuários vão começar a ver o conteúdo realmente útil receber uma classificação mais proeminente nos resultados de pesquisa.

A empresa planeja refinar seus sistemas e desenvolver essas melhorias ao longo do tempo. “Com esta atualização, você verá mais resultados com informações exclusivas; assim é mais provável que você leia algo que nunca viu antes”, explicou a empresa em um post no seu blog.

Fica patente que a proximidade do TikTok no mercado de pesquisa está deixando os executivos do Google nervosos. Espero que isso então signifique que blogs como este, e de tantos outros bons que eu sigo, na plataforma WordPress e em outras, terão de novo um lugar ao Sol.

Obviamente deve ter ficado claro para o departamento financeiro que não haverá como vender links-lixo para os anunciantes se o público alvo se debandar pela falta de conteúdo original. De alguma forma os executivos da Alphabet entenderam que é necessário uma boa ancoragem de conteúdo nas páginas de resultados.

Um outro mundo, um outro tempo

Lembro-me daquele outro mundo, em que o AltaVista era a grande ferramenta de busca. Você conseguia exatamente o que pesquisava e sempre tinha que rolar por páginas e páginas de resultados, e refinar seus termos de pesquisa várias vezes, antes de encontrar o que queria – se é que conseguia encontrar.

É fácil criticar o Google hoje, mas se você vivesse naquela época, perceberia o quão bons são os resultados de pesquisa do Google. O algoritmo ‘Pagerank’, que é o núcleo de todo o serviço, é uma maravilha da engenharia de sistemas, e não há dissenso quanto a isso. Experimente um mecanismo de pesquisa alternativo concorrente hoje. Acesse bing.com, yahoo.com ou brave.com. Esses sites talvez vão fornecer algum resultado que você deseja – mas que você provavelmente não deseja tanto quanto eles pensam que você deseja.

As críticas ao Google, pelo menos as minhas, na verdade não são endereçadas à sua engenharia. Elas se referem a suas praticas intrusivas de coleção de dados; se referem ao domínio da privacidade, de como uma empresa brilhante se desviou ao longo do caminho.

Como era e como é

Não muitos anos atrás, era possível fazer duas coisas legais com o Google.

  • Você poderia inserir palavras-chave aproximadas e tentaria descobrir o que você realmente desejava entre todos os resultados retornados, ou
  • Você poderia colocar literalmente o que desejava encontrar, entre aspas, e isso forneceria exatamente o que você havia pedido.

Isso parece não funcionar mais. Um exemplo: ao tentar pesquisar um trecho de uma obra da literatura é comum ter a primeira página de resultados completamente tomada de ofertas comerciais para adquirir a obra, em variadas mídias, e não uma referência acadêmica – ou mesmo apenas literária – ao texto pesquisado.

Ou digite o número de uma peça, ou componente, ou chip, entre aspas, junto com a palavra ‘datasheet’ [folha de dados]. Será um milagre se você realmente conseguir um link para uma folha de dados. Você vai ter links para várias empresas não relacionadas, que tentam te vender coisas que não são relacionadas a qualquer palavra da sua consulta.

Isso não está nem no nível de “resultados ruins”. Isso só pode ser descrito como completo fracasso.


Mas nós sabemos que o fabuloso ‘Pagerank’ ainda está lá. Seria fantástico poder vê-lo funcionar de novo como em 2002. O Google certamente pode melhorar os resultados, se quiser, embora também seja fato que os caras de SEO vão sempre encontrar novas maneiras de colocar o lixo deles mais alto nas páginas de resultados.

Eu aplaudo o Google e desejo sorte a eles. O Google não tem um bom histórico em cumprir compromissos, e nem de agir em favor do usuário ou da sociedade. Sempre convém manter um olhar cético ao lidar com eles. Tomando tudo com uma pitada de sal, saúdo meus colegas bloguistas, na expectativa de bons tempos à frente. Ao sucesso!

Nota: Há muitos anos eu uso duckduckgo como ferramenta de pesquisa na web.


Post Scriptum

Eu me pergunto quanto mais os grandes meios de comunicação serão rebaixados em sua dignidade pelas ferramentas de pesquisa. Nos Estados Unidos já surgiu a expressão churnalism [de churn – agitar]. Definição da Wikipedia (inglês):

Churnalism é um termo pejorativo para uma forma de jornalismo em que press-releases, histórias fornecidas por agências de notícias e outras formas de material pré empacotado, em lugar de notícias reais buscadas no campo, são usadas para criar artigos em jornais e em outras mídias de notícias. É uma junção de “churn” e “jornalism”. Seu objetivo é reduzir custos diminuindo as despesas com coleta de notícias originais e com verificação de fontes.

O churnalismo praticamente se tornou a norma dos dias correntes. Acesse o site da UOL para ver por si mesma(o). O churnalismo é exatamente o motivo pelo qual temos problemas com as proverbiais ‘fake news’ em primeiro lugar.