Uma Preocupação Minha

Embora muitos governos, incluindo os países ricos, tenham reduzido ou parado de coletar e relatar dados sobre o surto global de SARS-CoV-2, o vírus segue feliz em sua história evolutiva.

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As últimas edições são as variantes BA.2, BA.2.12.1, BA4, BA5, e mais uma montanha de X-alguma-coisa (onde X significa ‘recombinante’), todas com taxas de transmissão muito altas, algumas ao redor de 1:25.

Um estudo pré impresso publicado no site Biorxiv, com o título “Anticorpos de Escape BA.2.12.1, BA.4 e BA.5 Induzidos Pela Infecção por Ômicron” [link, em inglês], contém muitos pontos de dados interessantes e preocupantes. É um artigo científico comprido, com 46 páginas e muitos detalhes.

Eu me dei ao trabalho de ler, para que você não precise. O sumário executivo é este:

As novas mutações escapam facilmente aos anticorpos produzidos em infecções anteriores, como também escapam aos anticorpos produzidos pelas vacinas. Isso significa: os anticorpos que você adquire ao se recuperar de um surto de COVID-19 ou de uma injeção de reforço da vacina agora não funcionarão tão bem.

Esta é uma das várias razões pelas quais a China está lutando muito para conter seus surtos de BA2. Entre os problemas, estão a) a baixa taxa de vacinação do segmento mais velho da população [levando a um aumento do excesso de mortes nessa faixa etária] e b) os próprios mecanismos de escape imunológico dessas mutações rápidas do vírus, que causam doenças em massa e com alta taxa de transmissão (1:25). Esses fatores movem-se rapidamente por grandes setores da população.

Além disso, a fase de recuperação da doença não está produzindo uma proteção confiável de anticorpos nas pessoas como se esperava. Esse pressuposto é uma das bases da políticas de “imunidade de rebanho” e das estratégias de convivência com o vírus.

A China já deve estar ciente de alguns desses problemas, pois eles têm encomendado enormes hospitais do tipo “ala Nightingale” [link em inglês, infelizmente] com mais de 400 leitos cada, cuja construção, sob demanda, não leva mais de quatro dias.

Era già tutto previsto

Eu e algumas pessoas de meu círculo – gente que faz estatística profissionalmente – previmos que isso poderia muito bem acontecer. Também previmos que a Big Phama cruzaria os braços, a menos que recebesse mais alguns bilhões de financiamentos de emergência para novas vacinas. Idem com relação à incompetência e/ou má fé de governos, etc.

E assim aconteceu. Temos uma série de cepas muito virulentas que se espalham pelas populações mais rápido que o sarampo, mas até agora não eram tão patogênicas para as pessoas já infectadas ou vacinadas anteriormente.

As probabilidades são de que o próximo inverno no hemisfério norte seja o início de outra pandemia que poderia ser facilmente evitada, e as chances são de maior patogenicidade. Teremos sorte se, de fato, ela não começar aumentar aqui no hemisfério sul em algum momento dos próximos dois meses, em função do inverno.

As marcas da Covid na história serão:

  • Medidas pequenas e tardias
  • Falência de pequenas nações.
  • Mortes aos milhões
  • Incapacitação a longo prazo.
  • Novas doenças
  • Encurtamento da expectativa de vida

Mas também,

  • Abdicação às responsabilidades
  • Populações entregues à exploração rentista
  • Governos cortando pensões e outros benefícios.
  • Nenhuma alteração nas políticas que possibilitaram a pandemia.

Tudo isso levará, quase tão certamente quanto a noite segue o dia, a outra nova pandemia neste século. Espero estar errado.

* * *

Nova postagem no meio da próxima semana. Não poderei ler as postagens dos membros do blog e dos colegas da blogosfera até o dia 17. Saudações a todos e a todas.

Ômicron: a Vacina que não Soubemos Fazer?

A medida que a Ômicron avança, eu começo a ver argumentos surpreendentes (e um pouco perturbadores) sobre como proceder daqui em diante em face da… epidemia?

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O fluxo de informação na genética é muito mais complexo do que pode parecer em uma análise superficial, um ponto ilustrado de forma travessa por um pequeno factóide: pesquisadores descobriram que, cortando a cabeça e a cauda de um verme e aplicando uma corrente elétrica – o que interrompe o fluxo de informações no crescimento celular – você pode obter um verme com cabeça em ambas as extremidades. Se você cortar esse novo verme ao meio, você terá dois novos vermes de duas cabeças, mesmo que tenham exatamente o mesmo DNA do verme original de uma cabeça.

Tudo isso demonstra que há algo mais do que o DNA se escondendo nas leis da genética. É a chamada epigenética. Na biologia, a epigenética é o estudo das mudanças hereditárias do fenótipo que não envolvem alterações na sequência de DNA.

A evolução leva tempo, mas é brutal em sua seletividade. O indivíduo de uma espécie, seja qual for, dos humanos aos vírus, sempre surge como um “ponto ideal” entre variáveis independentes e caóticas. Tanto a otimização excessiva quanto a sub-otimização são prejudiciais a esses sistemas compostos de partes menores, embora cada parte tenha otimizações diferentes e pareça surgir de fundamentos muito básicos através do caminho da “complexidade”.

Como sabemos, a maioria dos sistemas biológicos podem, acima de um certo nível de complexidade, copiar a si mesmos. Qualquer erro nesse processo de cópia – se não for corrigido – vai resultar em uma variante genética. Se essa mudança aleatória causar um aumento marginal na longevidade ou na capacidade de reprodução do indivíduo, ela será favorecida e passada adiante. Daí a noção de “evolução” ser fundamental para o que acontece nas mutações genéticas.

O resultado é sempre uma especialização que dá vantagem ao organismo que, por isso, acaba se tornando predominante. Até que a mutação se torne menos vantajosa ou outra variante ganhe uma vantagem diferente.

Podemos ver isso em ação em “tempo real” atualmente com as variantes do SarsCov: a Delta foi substituída pela Ômicron, que por sua vez está sendo substituída por outra variante da Ômicron. No final do atual processo, portanto, presume-se que um sistema simbiótico eficaz se desenvolverá e o SarsCov2 se tornará, como os outros vírus Corona que infectam humanos [como o resfriado comum], um oportunista de fundo.

Os jovens vão contaminar todo o mundo

Então, o resumo de tudo é que, vendo o desenrolar dos fatos, em minha situação eu tenho pouca escolha. Vou me infectar, assim como todos os outros que não vivem em uma bolha isolada.

Na verdade, minhas escolhas se limitam a:

  • 1. Continuar empurrando a pedra ladeira acima – que no fim vai acabar rolando de volta.
  • 2. Facilitar o contágio inevitável – relativamente benigno para uma pessoa totalmente vacinada.

Tão pouca escolha se torna uma escolha real. Os itens 1 e 2 se traduzem da seguinte forma:

  • 1. Viver em uma bolha que eventualmente irá estourar, sabendo que a cada dia que passa minha imunidade está diminuindo. Então, quanto mais eu evitar, pior será nos meses à frente. Poderá ainda haver uma variante consideravelmente mais patogênica.
  • 2. Aceitar o inevitável, enquanto eu ainda tenho alguma proteção vacinal – e a variante atual é relativamente benigna para uma pessoa com esquema vacinal completo.

A Dinamarca suspendeu todas as restrições com base no que parece ser uma evidência científica sensata. Somam-se a isso profissionais de saúde com expertise na área dizendo, a “Ômicron é a vacina que não pudemos fazer ou distribuir”.

Você tem que perguntar o que isso realmente significa, não apenas em um nível social, mas individual.

Sem escolha

Nenhuma ação que as pessoas tomem é isenta de riscos – mesmo ficar na cama tem riscos significativos para a saúde. Assim, surge a questão não apenas do “risco comparado”, mas também do “risco nominal”.

No momento tenho alguma imunidade da vacina, mas isso está diminuindo. Essa imunidade pode não estar presente em algumas semanas, quando uma nova variante inevitavelmente surgir.

A auto-contaminação é um risco calculado que eu não assumiria em nenhuma outra circunstância. Mas está claro que os políticos querem qualquer desculpa para “abrir tudo de cambulhada”. Então a minha escolha foi removida, já há algum tempo.

Eu serei infectado, não porque eu deseje/queira, mas porque minha escolha foi tirada de mim. Evitar todos que possam estar infectados é impraticável, então em algum momento eu – provavelmente – ficarei infectado e sintomático – mas espero que não no nível que exija internação hospitalar.

Imitando o fraseado do pérfido Bolsonaro, no tocante (argh!) à patogenicidade, ela está no nível mais baixo em dois anos.

A próxima variante será menos patogênica? Eu não tenho ideia. Mas é mais provável ser mais para cima do que para baixo do que está sendo dito. Vou deixar os outros lutarem com essa questão.

O que eu sei é que minha imunidade, como a de todo mundo, está em contagem regressiva…

Tempo de Revisitar o Método Científico

Como se eu estivesse a lançar ao mar uma mensagem em uma garrafa, em um esforço patético, desesperado, para salvar um pedaço precioso do conhecimento humano da sanha dos bárbaros. Assim me sinto em 2021 ao teclar esta peça.

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Estupefato [e, francamente, um tanto abalado na cidadania] depois de testemunhar o [e sobreviver ao] assalto à razão perpetrado nos últimos quase dois anos pelo governo e parte dos brasileiros, me ponho a divagar sobre o que explicaria tamanho desprezo dos patrícios à lógica [além da ética] e à razão, durante a desditosa pandemia.

Eu pessoalmente suspeito que o motivo seja um item [ou mais] da lista abaixo:

  • A maioria das pessoas não conhece a ciência, e mesmo quando sabem “sobre” a ciência, muitas vezes têm a impressão errada dela.
  • Eles usam a palavra “coronavírus” como se houvesse apenas uma variante. Não estão cientes que um vírus que pode sofrer mutações facilmente.
  • Eles não conhecem o sistema de “revisão pelos pares”, e têm medo de que os cientistas estejam mentindo para eles.
  • Eles dizem a si mesmos que é o Sol que está tornando a Terra mais quente, “porque isso é óbvio”.
  • Eles não querem conhecer a ciência, porque sabem que isso significa ler, estudar, e todas as dificuldades envolvidas em aprender qualquer coisa nova. Mas não gostam da implicação de que as pessoas educadas “sabem mais do que eles” sobre qualquer coisa.
  • Eles não querem aceitar a ciência, porque são profundamente supersticiosos e/ou porque eles têm fé em algo que eles acham que a ciência contradiz.

Quaisquer que sejam as inclinações deste nosso fantástico povo, eu tento resgatar um pouco da sanidade perdida, senão para benefício do ambiente geral, pelo menos para mim mesmo. Como uma litania, textos como este se repetem pela internet afora aos milhares [embora raramente em português]. Mas, não importando quantas vezes já tenha sido repetido, o tema ganha aqui hoje a minha muito necessária versão pessoal.

O que é o método científico?

O método científico é um processo de investigação usado para explorar observações e responder perguntas. Isso não significa que todos os cientistas sigam exatamente o mesmo processo. Algumas áreas da ciência podem ser testadas mais facilmente do que outras. Por exemplo, os cientistas que estudam a evolução das estrelas ou a fisiologia dos dinossauros não podem acelerar a vida de uma estrela em um milhão de anos ou fazer exames médicos nos dinossauros para testar suas hipóteses.

Quando a experimentação direta não é possível, os cientistas adaptam o método científico, dentro dos limites da lógica. Essa plasticidade permite quase tantas versões do método científico quanto existem cientistas. Mas mesmo quando modificado, o objetivo do método permanece o mesmo: descobrir relações de causa e efeito fazendo perguntas, reunindo e examinando cuidadosamente as evidências e verificando se todas as informações disponíveis podem ser combinadas em uma resposta lógica.

Quem inventou o método científico?

O método científico não foi inventado por nenhuma pessoa, mas é o resultado de séculos de debate sobre a melhor forma de descobrir como o mundo natural funciona. O antigo filósofo grego Aristóteles foi um dos primeiros a promover a noção de que a observação e o raciocínio lógico são os instrumentos mais adequados para desvendar o funcionamento da natureza. O matemático árabe Hasan Ibn al-Haytham é frequentemente citado como a primeira pessoa a escrever sobre a importância da experimentação. Assim, temos, através do legado desses filósofos, os princípios científicos basilares da observação, do raciocínio lógico e da experimentação.

Desde então, um grande número de filósofos/cientistas escreveu sobre como a ciência deveria idealmente ser conduzida. Entre eles os eminentes Roger Bacon, Tomás de Aquino, Galileu Galilei, Francis Bacon, René Descartes, Isaac Newton, John Hume e John Stuart Mill. Os cientistas hoje continuam a evoluir e refinar o método científico à medida que exploram novas técnicas e novas áreas da ciência.

Os cientistas realmente usam o método científico?

Os cientistas sempre usam o método científico, mas nem sempre exatamente conforme estabelecido nas etapas ensinadas em sala de aula. Assim como um chef pode fazer algumas alterações em uma receita para se adaptar aos ingredientes disponíveis, um cientista igualmente pode adaptar o método científico alternando etapas, saltando para frente e para trás entre as etapas ou repetindo um subconjunto das etapas – porque ele ou ela está lidando com as condições imperfeitas do mundo real.

Mas é importante salientar que os cientistas sempre se esforçam para manter os princípios básicos do método científico usando observações, experimentos e dados, para confirmar ou rejeitar explicações de como um fenômeno funciona.

O método científico: etapas e exemplos

Mesmo que o método científico se apresente como uma série progressiva de etapas, é preciso ter em mente que novas informações ou pensamentos sobre o problema em foco podem obrigar o pesquisador a recuar e repetir as etapas a qualquer momento durante o processo. Um processo como o método científico que envolve backup e repetição é chamado de processo iterativo.

Esteja você desenvolvendo um projeto de feira de ciências, uma atividade científica em sala de aula, uma pesquisa independente ou qualquer outra investigação científica prática, a compreensão das etapas do método científico o ajudará a focar sua pergunta e trabalhar usando as observações e os dados objetivos, para responder à hipótese da maneira mais rigorosa possível.

Fluxograma do método científico

O Método Científico começa com uma pergunta. Uma pesquisa de base é então conduzida para tentar responder a essa pergunta. Se você deseja encontrar evidências para uma resposta à questão, você elabora uma hipótese e testa essa hipótese em um experimento. Se o experimento funcionar e os dados forem analisados, você pode provar ou refutar sua hipótese. Se sua hipótese for refutada, você pode voltar com as novas informações obtidas e criar uma nova hipótese para reiniciar o processo científico. – Diagrama: Vox Leone

Etapas do Método Científico

  1. Fazer uma pergunta

O método científico começa quando o pesquisador [que pode ser qualquer pessoa que busque a verdade, independente de sua escolaridade] faz uma pergunta sobre algo que observa:

Ex: Será que a Cloroquina funciona contra a COVID-19?

  1. Pesquisa de base

Em vez de começar do zero, o cientista rigoroso elabora um plano para responder à sua pergunta, e usa bibliotecas, pesquisas em campo e na Internet para se aprofundar no conhecimento do domínio em estudo.

  1. Elaborar uma hipótese

Uma hipótese é um palpite sobre como as coisas funcionam. É uma tentativa de responder à pergunta original com uma afirmação que pode ser testada. A hipótese deve ser declarada junto com a previsão resultante:

Ex: Se Alice tomar Cloroquina ela não vai se infectar com COVID-19.

  1. Testar a hipótese fazendo um experimento

O experimento então testa se a previsão é precisa e, portanto, se a hipótese é suportada ou não. O experimento científico obedece a um método próprio, para garantir condições controladas – para que seja um teste justo. Em um teste justo o pesquisador certifica-se de alterar apenas um fator de cada vez, mantendo todas as outras condições iguais.

É normal um estudo repetir os experimentos várias vezes para ter certeza de que os primeiros resultados não foram acidentais.

Ex: Tratar um grupo de 100 pacientes com Cloroquina e um outro grupo de controle de 100 pacientes com um medicamento inócuo [placebo].

  1. Análise dos dados e conclusão

Uma vez que o experimento esteja completo, o pesquisador coleta suas medições e as analisa para ver se elas confirmam a hipótese ou não.

Ex: de 100 pacientes tratados com Cloroquina, 90 foram infectados com COVID-19. O número de infectados foi igual no grupo de controle, que tomou placebo. Conclui-se que a hipótese de que a Cloroquina evita a infecção por COVID-19 é FALSA.

Em suas atividades diárias os cientistas profissionais rotineiramente concluem – às vezes com decepção – que suas previsões não foram precisas e suas hipóteses não foram confirmadas. Mesmo decepcionados eles comunicarão os resultados negativos de seu experimento. Em seguida, voltarão a elaborar uma nova hipótese com base nas novas informações que aprenderam durante o experimento. Isso inicia uma nova iteração do processo do método científico.

  1. Comunicação dos resultados

Para concluir o estudo o pesquisador comunicará seus resultados a outras pessoas em um relatório final. Cientistas profissionais em geral publicam seu relatório final em uma revista científica ou apresentam seus resultados em um pôster ou em uma palestra em um encontro científico.

Em suma, a verdade científica revelada pelo método é a correspondência com a realidade objetiva. As hipóteses podem ou não corresponder à realidade. Quando uma hipótese corresponde à realidade, ela é confirmada como verdadeira. Quando uma hipótese descreve uma realidade diferente do que ela propõe, essa hipótese é falsa. A maneira como descobrimos se uma dada crença é verdadeira ou falsa é através do uso das evidências empíricas e lógicas requeridas pelo método científico.


Referências:

Karl Popper: Conjectures and Refutations
https://www.academia.edu/38681885/Karl_Popper_Conjectures_and_Refutations

What Is Empirical Testing?
http://www.strevens.org/research/episteme/Empirica.pdf

Democracy of Incomplete Victories: State, Civil Society, and the Scientific Method
https://philpapers.org/archive/KASDOI.pdf

Conceito: Bijuteria Ativa Contra Contaminação

Hoje falo sobre uma ideia para uma classe de dispositivos que pretende evitar a contaminação da face [e daí mucosas] pelas mãos. Tendo em vista o processo kafkiano-bizantino ao qual um pedido de patente industrial é submetido nestes trópicos esquecidos por Deus (além dos recursos envolvidos), optei por usar este blog para transformar a ideia em “prior art”, de forma que ela, sendo pública, não possa mais ser patenteada por ninguém. Ela agora é open-source e pode ser implementada por quem assim desejar.

E se a bijuteria de uso diário pudesse ajudar na prevenção à contaminação da face pelas mãos? – Imagem`iStock

No início da pandemia de Covid houve uma grande corrida em busca de todos os métodos de prevenção imagináveis. Muitos achavam que a tecnologia digital viesse rapidamente ao socorro com suas maravilhas. Falou-se muito em variados tipos de sensores e atuadores que pudessem ajudar com o problema da exposição e contaminação, e algumas idéias chegaram a flutuar no espaço cognitivo global. A explosão da pandemia e a necessidade de tratar de temas mais prementes tiraram o foco da busca por soluções tecnológicas “duras” para concentrar os esforços nas vacinas.

Quanto à contaminação por Covid (assim como de outras doenças, como a gripe), os especialistas constantemente ressaltam que – para além da transmissão aérea – o grande ponto vulnerável no que se refere à fisicalidade da transmissão/contato é o ‘sistema’ face-mão. Levamos as mãos à face inúmeras vezes durante o dia. Levamos as mãos aos olhos, nariz e boca. Ao ouvido e ao topo da cabeça. Quase nunca percebemos. É um ato de segunda natureza, que executamos através do sistema límbico, não envolvendo a consciência no processo.

Seria então interessante se pudéssemos, diante de uma ameaça tão conspícua, imprevisível e traiçoeira como a Covid, nos abster de muita atividade descontrolada entre a face e a mão. Poderíamos usar a tecnologia para ajudar nessa tarefa, uma vez que nosso equipamento inato de controle mental e atenção é tão sujeito a falhas?

Entra minha ideia

Após considerar a questão por um tempo, percebi que a solução poderia ser implementada com o uso da lei de Lorentz, que descreve a interação entre campos magnéticos. Portanto, esse problema particular tem uma solução, e uma solução relativamente barata: um detector de metais que vamos elevar à glória, tornando-o um item de moda.

Caso de uso: alertar o indivíduo quando sua mão começa a se movimentar em direção ao rosto.

Ação pretendida: emitir um sinal – tátil ou sonoro – que possa fazer o usuário interromper o gesto e focar sua atenção nas ações corporais sendo executadas.

É facil perceber que a mão precisa atravessar o nível da base do pescoço para tocar a face. Portanto, se pudermos detectar a mão cruzando a linha da base do pescoço – ou, melhor ainda, detectar o início do movimento ascendente em direção à face, podemos emitir um discreto alerta – tátil ou sonoro – com antecedência de vários décimos de segundo, para quebrar a ação inconsciente do usuário.

Implementação

Um colar ou gargantilha, contendo a unidade de carga útil (chip sensor de campos magnéticos, bateria, processador, transmissor) atuando em conjunto com anéis ornamentais de compostos ferromagnéticos [talvez hematita ferrosa? magnetita? Deixo aos engenheiros de materiais decidir], que funcionarão passivamente nas mãos do usuário.

Funcionamento

Porque usar análogo à hematita: um anel de hematita ferrosa, por exemplo, tem duas vantagens:

Os vetores correspondentes à densidade de força magnética que o chip-sensor (em laranja, acondicionado dentro do pingente do colar) mede enquanto o campo magnético do anel se move relativamente a ele. Essa correlação de forças pode ser usada por um processador como limiar para ativação de disparo de um alerta.- Imagem por Maschen – Own work, CC0

1. É um adorno esteticamente agradável, conhecido e usado pelas diversas culturas humanas por séculos. O conjunto colar-anel pode ser integrado de várias maneiras, deixando amplo espaço de criação para designers.

2. A vantagem principal que determina a escolha do material: Os anéis de hematita [ou análogo] enriquecida, por possuirem propriedades ferromagnéticas, podem ter seu movimento [i.e., o deslocamento de seu campo magnético] detectado pelo chip-sensor embutido no pingente do colar ou gargantilha. A mudança nos parâmetros do campo magnético (Lei de Lorentz), provocada pelo deslocamento do anel – medida rápida e precisamente pelo chip-sensor – causará o disparo de um alerta sonoro ou tátil. O alerta pretende quebrar o automatismo do movimento do usuário, tornando consciente o gesto físico, idealmente fazendo com que o usuário interrompa, cancele o movimento, ou pense conscientemente sobre o estado das mãos, antes de prosseguir com o toque da face.

Para Concluir

Claro que esse é um esboço muito cru do conceito. Muitos parâmetros não são considerados e terão que ser descobertos em campo. Suspeito que talvez não se aplique universalmente, por ser uma peça ornamental, ou por outras questões whatever. Contudo ele descreve todos os elementos essenciais necessários. Cabe aos designers e aos profissionais de marketing fazer acontecer.

Essa é a típica atividade ‘hacker’. O termo – barbaramente incompreendido em várias línguas – se refere às pessoas que gostavam de desmontar (e depois montar) rádios, relógios, motores (e criar geringonças) na adolescência. Será que as pessoas ainda gostam? Este é um blog para pessoas com recursos intelectuais e hackers autênticos. Deixo então os detalhes da implementação para esses leitores imaginarem. Se alguém construir um, por favor mostre pra gente. Se alguém detectou alguma impropriedade na ideia, peço que nos oriente nos comentários.

Uma Nova Luz: Vacina Inoculada por Adesivo

Assistindo estarrecido à marcha da Covid, em um país que aparentemente desistiu de tudo, eis que entra no meu radar um novo estudo clínico vacinal, publicado em pré-print no site BioRxiv, no último dia 31/05. O trabalho dá conta de uma nova e promissora maneira de inocular o imunizante, via adesivo sobre a pele. Lembrando que este é um blog dedicado à ciência e à tecnologia, traduzimos abaixo o Resumo, com um link para o trabalho original. Antes, porém, algumas considerações.

Este adesivo tem 1 cm de diâmetro. Imagem apenas para ilustração – iStock

Ao longo de dezesseis meses [em minha contabilidade], o inventário de rumores relacionados ao contágio conseguiu transcender fronteiras. Criativas e fúteis, essas histórias se multiplicam à medida que a pandemia se recusa a ceder. Embora nos primeiros dias a maioria das conversas girassem em torno de indagações sobre potência do vírus e de como tratar o surto, o problema lentamente evoluiu para o negacionismo catastrófico, e inacraditavelmente casual, que observamos. A aparente casualidade vai contra a análise dos fatos, visto que a consciência sobre a doença é imensa e os brasileiros que viveram os tempos difíceis desde o ano passado estão muito cientes de seus efeitos fatais.

A humanidade em muitos momentos da história deixou o medo se transformar em pânico ou negação, obliterando todos os vestígios de racionalidade. O feedback em torno do gerenciamento e da responsabilidade sobre a atual pandemia também parece irracional. Assim como a teoria da cura pelo CO2 proposta por um motorista de Nova Delhi, mais teorias desse tipo abundam nos botecos, mercados e feiras do Brasil, de Manaus a Porto Alegre, que vão desde a ingestão de grandes quantidades de álcool, vermífugos e anti-malariais, até a interrupção do consumo de certas frutas e legumes [como também aumento no consumo de outros], além de apelos à superstição. A lista é interminável, e cada país, estado, cidade e localidade acrescenta seu próprio “tour de force” a essas histórias.

O desafio para as pessoas que trabalham na linha de frente é filtrar os rumores e transmitir verdades básicas sobre a pandemia e suas causas. No entanto, à medida que vemos mais complacência no horizonte, fica como um exercício para estados e municípios tentar lidar com o medo e o cansaço subjacentes às comunidades que sofrem. Para compor o problema, existe a infeliz disseminação do estigma da doença; uma doença incomum (mas não incontrolável).

A necessidade do momento é pressionar agressivamente por uma campanha de esclarecimento que envolva todas as partes interessadas [we, the people], no rádio, televisão e em tantos canais criativos quanto possível. Uma miríade de outras pequenas atividades de comunicação, como pôsteres, adesivos, banners, pinturas de parede, murais, teatro de rua, músicas, quadros, anúncios em locais de culto, também seria bem vinda,

Conforme aprendemos com esta crise, é oportuno lembrar que os registros da literatura têm sido companheiros constantes da humanidade em períodos de incerteza. E os registros informam que no passado, quando uma pandemia atingia a humanidade, não havia muito que pudesse ser feito como o tanto que podemos fazer agora, e que desgraçadamente nos recusamos a fazer como povo.

A única medida efetiva nos tempos idos era o que hoje se conhece como distanciamento social e a quarentena dos enfermos que, segundo Procópio, o principal historiador bizantino, eram feitos voluntariamente pelos indivíduos. Na era atual, só nos resta lutar contra os golpes e as flechadas da fortuna adversa, já que as luzes da razão [e do bom senso] se apagaram para grande parte da humanidade [a influência das redes sociais foi instrumental para o estabelecimento dessa indústria anti-ciência que apenas começa a mostrar sua cara. Falaremos mais sobre isso neste blog].

Temos que nos empenhar para estar um passo à frente, promover o distanciamento social, usar máscaras e garantir a higiene, coisas que não eram possíveis para todos nos tempos antigos.

O Papel da Mídia

A mídia também deve ter consciencia de sua responsabilidade pública ao reportar sobre a Covid. Em vez de jornalismo e reportagem responsável, grande parte da imprensa tem reportado vazamentos, especulações e insinuações com grande velocidade e sem verificação de fatos. As agendas individuais de cada meio de comunicação mudaram das páginas editoriais para as de notícias, levando à confusão de fatos e opiniões.

Infelizmente, a mídia (nem falemos do governo) está relatando as mortes apenas em termos de números áridos, em oposição ao impacto real da doença no país. Já perdemos quase 500.000 brasileiros, cada um deles uma pessoa importante e única. Diga-nos seus nomes, mostre-nos seus rostos, conte-nos algo sobre eles e use seu desaparecimento como inspiração para não despediçar outro cidadão útil e querido. Precisamos sentir a perda; não contar um número sem significado.

* * *

Proteção Completa por Vacina de Espículas de SARS-CoV-2 Inoculada por Adesivo de Pele

Resumo

O SARS-CoV-2 infectou mais de 160 milhões de pessoas, resultou em mais de 3,3 milhões de mortes, e ainda coloca muitos desafios na distribuição de vacinas. Neste estudo, usamos um adesivo de micro-matriz de alta densidade para aplicar uma vacina contendo subunidades da espícula do
SARS-CoV-2 diretamente na pele.

Mostramos que a vacina, revestindo o adesivo a seco, é termoestável, e a entrega das espículas via HD-MAP induziu maiores respostas imunológicas em celulas e anticorpos, com soro capaz de neutralizar potentemente partículas isoladas clinicamente relevantes, incluindo das linhagens B.1.1.7 e B .1.35.

Finalmente, uma única dose de espículas administrada por HD-MAP forneceu proteção completa contra o desafio letal do vírus, demonstrando que a administração de uma vacina SARS-CoV-2 por HD-MAP é superior à vacinação tradicional com agulha e seringa e tem potencial para provocar um grande impacto na pandemia de COVID-19 em curso.

Link para o trabalho original