Em 2024 falta-nos não apenas um capitão confiável com uma tripulação competente, mas também uma carta náutica e uma bússola pelas quais um capitão possa navegar.
Certezas, Incertezas
Por estes tempos a incerteza exaspera muitos de nós. Numa época de polarização, de negação não apenas das opiniões, mas também da própria humanidade daqueles de quem discordamos, poderemos abrir algum terreno comum? Aqui no meu canto eu defendo a tolerância e a liberdade de expressão. Isso inclui reconhecer os direitos de outros seres humanos de ter opiniões e aderir a valores que eu considero odiosos.
O problema surge quando a tolerância se transforma em relativismo; quando abraçamos a incerteza tão completamente que não vale mais a pena defender quaisquer valores ou princípios. Por exemplo, como podemos argumentar que os Taliban estão errados ao excluir as meninas da escola se em nossa sociedade não temos princípios sólidos sobre os quais defender que as meninas têm, de fato, direitos e oportunidades iguais na educação?
Esta falta de certeza sobre quais são os valores subjacentes da sociedade injeta um sentimento de precariedade em todos os níveis da vida social. É claro que esses valores fundamentais mudaram ao longo da história, por vezes de forma convulsiva. A ideia de igualdade universal entre os seres humanos teria sido absurda para a maioria dos nossos antepassados. A discussão pública sobre os valores mais profundos da sociedade foi essencial para mudá-los tanto na prática como na teoria.
Ao entrarmos num novo ano, sob a égide das redes sociais sem controle e das múltiplas plataformas de “inteligência artificial”, esta é a questão mais profunda sobre a incerteza: sobre o que devemos ter certeza, e como podemos justificar essa certeza para nós mesmos e para os outros? Sem tolerância no diálogo não podemos testar ideias umas contra as outras, ou reter o sentimento básico de que a humanidade de uma pessoa é valiosa, por mais fortemente que rejeitemos as suas ideias.
Sem um forte compromisso com valores fundamentais não teremos defesa contra as ideias terríveis que circularão pela rede este ano – exceto dizer que não gosto de como elas me fazem sentir.
Poderemos algum dia afirmar que nossas ideias são as melhores? Infelizmente não de todo. Podemos até testá-las contra os melhores argumentos opostos, mas em algum momento terá que haver um salto de fé envolvido em colocá-las em ação. Mas algumas ideias são de fato melhores que outras e vale a pena lutar por elas. Disso devemos ter certeza.
Sobre a Tal Felicidade
Em algum momento da história recente as pessoas esqueceram de como se divertir, de se divertir de verdade. Em vez disso, a diversão se transformou em trabalho, às vezes mais do que o verdadeiro trabalho, e esse é o estado em que estamos agora.
Cheguei a conhecer o tempo em que “a felicidade era uma pluma/que o vento ia levando pelo ar…”
A diversão agora se tornou forçada, exaustiva, programada, categorizada, intensiva, exagerada, performativa.
Olho ao redor e vejo pessoas adultas ridiculamente se fotografando — uma foto após a outra — pretendendo fazer algo parecido com “diversão”. Olhe pra mim! Me divertindo muito!
Isso me sugere fortemente que a verdadeira diversão acabou. Quando há podcasts sobre felicidade; estudos acadêmicos e estatísticas sobre felicidade; oficinas de “funtervenção”; professores comediantes; além de vários aplicativos para monitorar a felicidade, duas coisas se tornam bastante claras: a diversão está em sérios apuros e precisamos desesperadamente de alegria.
Coisas que por muito tempo foram super divertidas agora sobrecarregam, esgotam e incomodam. A temporada de férias é um exercício prolongado de barulho e caos. Em vez de relaxar na época mais maravilhosa do ano, lutamos contra o cansaço, perdidos em uma orgia de consumo.
A praia deixou de ser um dia inteiro, um oásis de descanso e relaxamento. Os veranistas agora precisam plantar uma cadeira – ou talvez oito cadeiras sob uma tenda completa com sistema de som – ao nascer do sol, e depois transportar 250 quilos de tralha em uma carroça de praia do tamanho de um Tesla Truck – que também não existia quando apenas um livro e uma toalha bastavam. Depois de todo esse trabalho a maioria das pessoas inicia a execrável rotina de olhar para seus telefones em vez do maravilhoso azul profundo.
Os casamentos se transformaram em extravagâncias de estresse em vários estágios, ao mesmo tempo em que funcionam como vias expressas para a insolvência bancária. Os casamentos se tornaram muitas coisas, mas diversão não é uma delas.
O que poderia ser um motivo maior de alegria ou mais natural do que ter um filho? Aparentemente, não muito hoje em dia. A paternidade é planificada e exagerada, incorporando mais e mais eventos absurdos que drenam as poupanças e que não existiam há algumas décadas: chás-de-bebê tão exagerados que chegam a envergonhar os megacasamentos.
As aposentadorias agora devem ter “um propósito” – além de oportunidades para crises agudas de identidade. Você precisa ter um plano, uma missão, “um coach”, uma grade compacta de atividades diárias codificadas por cores, em uma cultura onde nossos empregos são nossas identidades, e nosso valor está vinculado ao trabalho.
Precisamos realmente disso tudo?
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Minha prece é que em 2024 eu e você possamos discutir livremente nossas frágeis certezas e iniciar o retorno a um mundo mais simples e verdadeiro. Que o ano seja simplesmente feliz para nós todos.