Vivemos em uma era em que estar desconectado virou sinônimo de excentricidade. A ausência de um smartphone, hoje, é tratada quase como uma anomalia social, um desvio do esperado.

No entanto, ao mesmo tempo em que os aparelhos se tornaram praticamente extensões do corpo humano, vejo que, embora timidamente, cresce também o fascínio por aqueles que resistem ao seu uso, como eu. O que antes gerava vergonha ou estranhamento, agora desperta curiosidade, e até inveja.
A crítica ao smartphone não é nova. O que mudou foi a maneira como seus impactos estão se tornando visíveis demais para serem ignorados. A erosão da atenção, a postura encurvada do “scroll infinito”, a desconexão social em ambientes públicos, tudo isso já é parte do nosso cotidiano. A figura do pedestre absorto, que atravessa ruas sem levantar os olhos da tela, é um símbolo moderno da dissociação com o entorno. E não se trata de falta de atenção: é uma atenção deslocada, entregue a um universo paralelo.
A alienação promovida pelos smartphones não se limita ao espaço físico. Ela avança sobre o território afetivo e social. Aplicativos de relacionamento, por exemplo, prometem facilitar conexões, mas muitas vezes apenas mantêm seus usuários presos a ciclos repetitivos de rejeição, idealização e frustração. Em vez de encontros reais, vivemos de “matches” abstratos. Em vez de conversas espontâneas, nos limitamos a interações programadas, com direito a emojis como resposta automática a qualquer emoção.
Nos bares e cafés, é cada vez mais comum ver pessoas sozinhas com seus celulares, esperando alguma coisa acontecer, ou fingindo esperar. Por vezes estão sendo ignoradas por seus pares digitais; por outras, estão simplesmente repetindo um ritual vazio, mas socialmente aceito: sentar-se, pedir um drink, checar as notificações e ir embora. O acaso, que antes era parte essencial dos encontros humanos, está sendo sistematicamente excluído da equação.
Há quem diga que o smartphone tornou as pessoas mais narcisistas. Mas talvez a palavra mais adequada seja solipsistas, como se cada um vivesse em um mundo próprio, onde os demais são meros figurantes. Essa lógica do “eu primeiro, o tempo todo” não se traduz em autoconfiança, mas sim em isolamento. Um isolamento que parece confortável, mas que corrói, silenciosamente, a dimensão coletiva da existência.
Mesmo assim, não se trata de demonizar o aparelho. O smartphone é, acima de tudo, uma ferramenta, e como toda ferramenta, seu valor depende do uso. É possível estudar, trabalhar, criar, comunicar-se de maneira significativa. Mas é inegável que a arquitetura desses dispositivos e dos aplicativos que abrigam é desenhada para prender, para capturar a atenção e, muitas vezes, substituí-la por um simulacro de interação e afeto.
A substituição do mundo real por suas versões digitais está criando uma geração que vive “rolando sozinha”. As interações se tornam mecânicas, os vínculos frágeis, e até mesmo o flerte, essa arte tão humana, foi transferido para plataformas que padronizam o desejo. Ver uma pessoa interessante num café parece menos eficaz do que esperar que ela apareça, magicamente, no aplicativo.
Mais do que um problema de tecnologia, esse é um dilema de comportamento, de escolhas e prioridades. A conectividade constante tem um custo: a erosão das experiências presenciais, da espontaneidade e da atenção compartilhada. E, no fim das contas, a pergunta que fica não é “o que podemos fazer com nossos celulares?”, mas sim: o que estamos deixando de fazer por causa deles?
A vida offline ainda existe, com seus mapas em guardanapos, seus silêncios nos ônibus, sua imprevisibilidade nas ruas. É menos eficiente, mais caótica, mas também mais humana. E talvez seja hora de resgatar um pouco disso, não como nostalgia, mas como resistência.



