Como alguém que trabalha com desenvolvimento de IA com hardware próprio, posso afirmar que 2025 se tornou um ano crítico, especialmente para estudantes e jovens pesquisadores no Brasil.
Normalmente uso imagens de autoria de artistas humanos. Para este post não pude resistir a usar IA. Veja o prompt que usei nas Notas, no final do artigo. Imagem: Grok.
A imposição do chamado “imposto das blusinhas”, que tributa em 50% qualquer importação acima de 50 dólares, não é apenas um desafio financeiro; é uma barreira ao aprendizado prático e à inovação tecnológica.
Como placas de processamento gráfico (mesmo modelos de entrada como a Nvidia RTX 3050) custam vários multiplos do limite de 50 dólares, torna-se subitamente muito difícil para um iniciante brasileiro treinar modelos de IA de maneira independente e consistente em seu próprio equipamento.
Sem Similar Nacional
Um ponto crucial é que não existe equivalente local para unidades de processamento gráfico (GPU’s). Diferentemente de CPUs ou outros componentes de menor complexidade, GPUs modernas de alto desempenho não são produzidas no Brasil (pouquíssimos países têm o privilégio). Isso significa que não há alternativas nacionais capazes de substituir as placas importadas: se você precisa treinar um modelo de visão computacional, processamento de linguagem natural ou IA generativa, não há hardware “made in Brazil” que ofereça desempenho similar. O preço de uma GPU, portanto, não é apenas uma questão de tributos: é uma consequência de dependência tecnológica e barreiras estruturais.
Impostos em Cascata
O preço de uma GPU no Brasil reflete muito mais do que seu valor de varejo. Além do imposto de importação, que pode atingir 60%, somam-se o ICMS estadual, taxas logísticas e custos de desembaraço. Na prática, uma RTX 3050, que nos Estados Unidos custa cerca de 249 dólares, chega a custar entre 4.500 e 5.500 reais no Brasil, enquanto modelos mais avançados como a RTX 3080 facilmente ultrapassam os 12 mil reais. Para colocar isso em perspectiva, considere um estudante médio, com renda mensal de 2.000 reais:
GPU
Preço EUA (USD)
Preço aproximado no Brasil (R$)
Multiplicador de imposto
Meses de salário
RTX 3050
249
4.500 – 5.500
~4,5×
2,5 – 3
RTX 3060 Ti
399
5.500 – 6.500
~3,5 – 4×
2,75 – 3,25
RTX 3070
499
6.000 – 7.500
~3,5 – 4×
3 – 3,75
RTX 3080
699
9.000 – 12.000
~4,5 – 6×
4,5 – 6
RTX 3090
1.499
15.000 – 18.000
~10 – 12×
7,5 – 9
Notas sobre a tabela:
Os preços no Brasil incluem imposto de importação, ICMS e custos logísticos típicos de 2025.
O multiplicador de imposto mostra quanto mais caro fica o hardware em comparação com o preço original nos EUA.
A coluna de meses de salário mostra de forma tangível quanto tempo um estudante precisaria economizar para adquirir a GPU, considerando uma renda média de R$ 2.000 por mês.
Além da Nvidia, GPUs são também produzidas por AMD e Intel. Escolhi Nvidia por questões de representatividade (são as mais prevalentes) e experiência pessoal.
Mesmo a GPU de entrada exige meses de economia, tornando inviável para a maioria dos estudantes adquirir hardware adequado sem sacrificar outros custos essenciais, como componentes de PC, eletricidade ou materiais de estudo. O impacto não é apenas financeiro. Projetos de aprendizado de máquina profundos dependem de aceleração por GPU: treinar modelos em CPUs convencionais é dezenas de vezes mais lento (quando é possível), o que limita a experimentação e retarda a prototipagem de soluções práticas.
Os Aspirantes Sofrem
GPU de entrada RTX 3050 – Imagem MSI-Nvidia
O efeito se acumula no ecossistema. Jovens pesquisadores e empreendedores que poderiam desenvolver novas técnicas de IA, iniciar startups ou colaborar em laboratórios, e eventualmente gerar riquezas, encontram-se restritos a abordagens teóricas ou a serviços de nuvem, que têm custo recorrente e limitações de desempenho. Em termos de desenvolvimento de talento, isso significa que países com menos barreiras tributárias conseguem formar pesquisadores mais rapidamente, enquanto o Brasil corre o risco de ficar para trás, não por falta de capacidade técnica, mas por barreiras estruturais de acesso a hardware.
O “imposto das blusinhas” para certos bens de capital como as GPUs é, portanto, muito mais do que um mero aumento de preço. É uma formidável barreira à formação prática em tecnologia. Para um jovem cientista da computação, engenheiro, pesquisador ou empreendedor, a possibilidade de aprender de forma “hands-on”, de explorar modelos, testar arquiteturas e experimentar com dados reais é essencial. Sem acesso a GPUs próprias ou a soluções de nuvem viáveis, esse aprendizado é severamente comprometido.
Enfim
Se existe alguma diretiva governamental (o que realmente duvido) para estimular a formação de profissionais capazes de competir globalmente em modelos de linguagem, visão computacional e outras áreas de ponta, os formuladores da política tributária atual obviamente não devem ter recebido o memorando.
Cada estudante ou empreendedor que desiste de um projeto por não conseguir investir em hardware é uma perda não apenas individual, mas para todo o ecossistema de pesquisa e inovação do país.
Existem mecanismos legais de isenção/redução de impostos para importação de hardware/informática no Brasil — via regimes específicos como Ex-Tarfário ou isenções setoriais (telecom/ informática / data centers). Porém, essas isenções normalmente não se aplicam a pessoas físicas importando GPUs para uso pessoal.
Prompt usado para gerar a imagem:Por favor gere uma imagem para ilustrar uma postagem de blog sobre o Imposto de Importação brasileiro apelidado de “Imposto das Blusinhas”. Use o símbolo popular da Receita Federal, um leão voraz.
How I intend to steal the Fire of the Gods and give it to the geeks.
The unfinished prototype of the first model to be tested, the upcoming TF-01 Linear (the white piece), seen here alongside the standard metallic hotend from Sethi 3D, for dimension comparison. Image: Triforma CC-BY-SA-NC
Notice: This is a Portuguese language blog extraordinarily featuring an article in English.
As a 3D printing entrepreneur and enthusiast, I decided last year to dedicate more of my time to this transformative technology — one I believe still has its best days ahead. My goal is to go beyond prototyping and use 3D printing to manufacture final parts and components for both industrial and consumer applications.
To achieve this, I’m focusing on additive manufacturing with advanced materials like nylon and carbon fiber. Reaching extrusion temperatures above 300°C (573°F) is essential for processing these high-performance thermoplastics. This ambition makes sense, especially as engineering superplastics like polycarbonate (PC), TPI, and PEEK become increasingly accessible. These materials demand higher thermal capabilities, and the need for high-temperature hotends is only growing.
Yet, despite a wide array of brands on the market, the FFF 3D printing hotend — a critical component — remains relatively limited in both design and performance. The hotend includes a heated chamber, powered by a heating element and regulated by a thermistor in a closed-loop system. At its base, a replaceable nozzle deposits molten filament onto the print bed. (See: Anatomy of a Hotend.)
Most hotends are made from steel and use Teflon liners or titanium–copper heat breaks to manage thermal flow. Preventing heat creep — where rising heat softens the filament prematurely — is essential. This is why heat barriers and effective passive cooling are so critical: they ensure the filament stays solid until it reaches the melt zone.
Hot Ends
The standard hotend that comes installed in my Sethi 3D FFF printer—a model from the Brazilian manufacturer Sethi 3D—is a solid and well-designed component. Built from steel and featuring a Teflon lining, it performs reliably within the lower to mid-range category. It’s particularly well-suited for printing with PLA and ABS, delivering consistent results with minimal hassle.
That said, like many hotends in its class, it relies on an internal Teflon tube to guide the filament. This design works well at moderate temperatures, but the Teflon begins to degrade when exposed to temperatures above 240°C (470°F), which limits its suitability for high-temperature filaments.
Our customized Sethi S3, the printer used for this project, has been visually enhanced from its original factory design. Originally featuring a more conservative, enclosed box-like appearance, it now includes a transparent panel. This modification not only improves print visibility and monitoring but also adds flexibility for media production. – Image: CC-BY-SA-NC
Another common option on the market is the all-metal hotend—devices built entirely from metal, often featuring a bi-metallic heat break made of titanium and copper. This combination creates a thermal barrier between the heater block and the heat sink, allowing the hotend to handle higher temperatures and enabling the use of advanced, engineering-grade filaments. However, despite their design, the maximum temperatures these hotends can sustain are still comparable to standard models like the one from Sethi. Their main advantage lies not in higher heat tolerance, but in preventing premature filament softening—known as heat creep.
Frankly, it’s a bit disappointing that in 2024, the industry’s best solution for thermal isolation is still titanium—a material with a relatively low thermal conductivity of just 25 W/m·K. Surely, there must be a more effective alternative out there.
In practice, most hobbyists and casual makers hit a ceiling around 350°C (660°F). Pushing beyond that usually requires not just specialized equipment, but also a deeper level of technical know-how. Still, one has to wonder: could we one day make temperatures above 500°C (930°F)—currently the domain of high-end industrial setups—accessible to everyday users?
Rare Earths Everywhere
Over the past year, I’ve delved deeply into ceramic literature and have been consistently impressed by the remarkable objects created using various transition metals and rare earth oxides. As I reflected on the limited range of available hotend options, I began to see a promising opportunity—one that might be worth pursuing.
At its core, isn’t a hotend essentially just a glorified tube? If the team at Sethi was able to develop one using their expertise in metalworking (*), then why couldn’t someone like me—armed with a growing understanding of advanced ceramics—create a comparable solution? Why not leverage the exceptional thermal properties of these materials for what they seem naturally suited to: managing the intense heat at the tip of an extruder? It’s hard not to wonder—how has this potential avenue been largely ignored by the industry?
Ideas began to flow from some hidden corner of my mind. I started envisioning a sleek, zirconia-white form. Drawing on my experience with CAD—specifically OpenSCAD—I sat down at my workstation, the Periodic Table glowing on a nearby monitor, and began sketching out my concept: a ceramic hotend, purpose-built for my own Sethi S3 3D printer.
After a few sleepless nights, I had finalized the blueprint for my petite yet bold creation—one that broke away from the conventional stacked-disc design of typical metal heatsinks. Its form was unconventional, shaped by the unique properties of ceramics. With significantly lower thermal conductivity, ceramics eliminate the need for large heat dissipation surfaces, opening up exciting possibilities for more compact and creative designs. Add to that the material’s texture and color versatility—imagine a soft pink version for March—and the result isn’t just functional, but beautiful. A hotend, reimagined as an object of both engineering and aesthetic value.
Within just a few days, it became clear to me why ceramic objects—beyond toiletries—are so rare in the market. This realization also highlights the thoughtful and highly relevant design of the original hotend envisioned by Sethi in 2013. Traditional ceramic shaping methods simply don’t accommodate elaborate stylistic innovations or intricate anatomical details.
Until recently, advanced ceramists lacked the technology to break completely from traditional methods, restricting them to producing relatively simple forms—like rings and tubes—using techniques such as slip casting, pressurized injection, and dry pressing. These large-scale industrial processes limited design complexity. For a small, precision component in a device like a 3D printer, ceramics have historically seemed impractical.
Sol-gel Comes for the Rescue
Sol-gel chemistry, a process I had studied extensively in the months leading up to my insight, presented a promising solution to the challenge of working with ceramics in fine mechanics—enabling the creation of ceramic objects with remarkable structural complexity.
Simply put, sol-gel chemistry involves synthesizing inorganic polymers or ceramics from a liquid solution. This process begins by converting liquid precursors into a colloidal suspension called a “sol” (from SOLution), which then transforms into a three-dimensional network known as a “gel.”
The formation of a sol results from hydrolysis and condensation reactions of particles, creating a colloidal system—a dispersion of tiny particles within a medium. According to the International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC), a colloidal system is a dispersion of one phase into another where, “the molecules or polymolecular particles dispersed in a medium have, at least in one direction, a dimension between 1 nm and 1 μm”. Everyday examples of colloids include milk and mayonnaise.
The sol-gel process has been extensively studied and applied in advanced ceramics; for deeper insights, I recommend consulting the specialized literature. For instance, the ceramic tiles covering the space shuttle’s heat shield are produced using techniques closely related to sol-gel chemistry.
Gel Casting
Ceramic shaping techniques generally fall into two categories: dry and wet forming processes. Gel molding, also known as gel casting, is a wet forming technique. The technology we employ—developed by Oak Ridge National Laboratory (ORNL)—allows for the fabrication of high-density ceramics with intricate, near-net-shape geometries. This method offers several significant advantages, including fast molding cycles, no limitations on mold materials, excellent mechanical strength in the unsintered “green” state, and the capability to produce components with varying section thicknesses.
Molds used for developing the prototypes – Image: Triforma – CC-BY-SA-NC
It’s important to highlight that the gel molding method permits the use of virtually any material to shape ceramic masses, unlocking vast new possibilities for 3D printers. No longer confined to prototyping, these printers can become powerful and efficient tools for manufacturing advanced ceramics, thanks to their ability to produce complex molds directly and affordably on-site.
This potential extends to FFF printers as well. In gel casting, the unique layered texture of the printed mold is faithfully transferred to the ceramic parts. I personally intend to embrace this “imperfection” as a distinctive visual signature that reveals the product’s origins. Naturally, others may prefer molds that are flawlessly smooth and uniform—whether created via SLA, SLS, or precision-machined from stainless steel.
Overall, integrating gel molding into FFF printing represents a major leap in productivity and profitability. An ABS mold that takes just two hours to print can be used to replicate thousands of high-performance ceramic parts in a remarkably short time.
This Project
Our process begins with preparing water-based gels by dispersing ceramic powders—such as zirconia and yttria—in water. We then add gelling agents, including monomers and initiators, and mix thoroughly to form a stable colloidal suspension, as described earlier. This slurry is poured into an ABS plastic mold created via 3D printing and allowed to dry, forming a “green” ceramic body.
Once dried, the green body is carefully removed from the mold, subjected to further drying, and then sintered at high temperatures to achieve full densification. The final steps include precision machining and partial enameling to complete the component.
The solution is shaped within the plastic molds. The mold in the background is already closed, undergoing the gel curing/drying process. – Image: Triforma– CC-BY-SA-NC
Until recently, acrylamide (AM) was the standard gelling agent used in gel molding. However, its neurotoxic properties limited the widespread industrial adoption of this technique. This constraint hindered the development of gel molding and contributed to the relative scarcity of complex ceramic objects on the market. In our project, we employ a gel shaping process using natural polymers such as agarose, effectively removing these barriers and unlocking the full potential of the technology.
It’s almost poetic that a material as ancient as ceramics remains one of the most advanced in terms of performance. While I may make it sound simple, reaching this point required months of both theoretical study and hands-on experimentation.
The result is an innovative product: a compact thermal element weighing just 10 grams. Despite its delicate appearance, it can withstand temperatures above 2300°C (4300°F) while transmitting only 1.7 W/m·K of heat. For context, titanium can endure similar temperatures but has a much higher thermal conductivity—about 25 W/m·K. Teflon, on the other hand, is an excellent insulator at just 0.2 W/m·K, but it breaks down at around 240°C (470°F). The zirconia–yttria ceramic system we’re using offers the best of both worlds: extreme heat resistance combined with low thermal conductivity—ideal for mitigating heat creep and enabling reliable extrusion of virtually any filament.
There are other advantages too: the process is energy-efficient, completely silent, and produces no significant waste or emissions. And again—this component weighs just 10 grams.
In the second phase of the project, we plan to integrate a zirconia–magnesia heatbreak into the ceramic body, further strengthening the assembly. From there, the only real limit will be what the hot block can endure. I recently came across a Japanese research group developing a hotend for temperatures around 850°C (1600°F). Suddenly, the idea of extruding copper wire on my Sethi desktop printer doesn’t feel like science fiction—it feels inevitable.
A ceramic heatbreak — and its small mold — designed to withstand temperatures of 1600°F. Image: Triforma – CC-BY-SA-NC
But this is where the problems begin.
Tests
At this moment, I find myself surrounded by newly acquired lab equipment—beakers, Erlenmeyer flasks, precision scales, a magnetic stirrer, and a range of chemical substances. What was meant to be the humble beginning of a small-scale industrial project could easily be mistaken, depending on who walks in, for a pharmaceutical lab or a customs rapid-analysis room.
I’m on the verge of a critical phase: validating whether the process described above can perform reliably and repeatedly at a production scale.
Beyond the formal process and the few prototypes we’ve created using individual molds, a rigorous series of tests still lies ahead. These include experiments on chemical composition, formulation refinement, and destructive testing for mechanical, thermal, and functional performance.
If we succeed in producing a reasonable quantity at a reasonable cost—and I’m confident we will—the product will be made available for direct sale on the soon-to-launch Triforma website. The business model will be inspired by that of Slice Engineering, with an emphasis on Open Source licensing.
My target is to have a minimally viable product ready by mid-April. Until then, I’ll be working relentlessly toward that goal.
I’ll be sharing updates and results here—stay tuned.
(*) A note on Sethi 3D: Though I’ve mentioned Sethi 3D several times, I want to clarify that my only connection to this respected company from Campinas, Brazil, is as a [very satisfied] customer. That said, I’d be thrilled to collaborate with them in any capacity. I hold deep admiration for industrial ventures in advanced technology—especially those based in Brazil, where such efforts deserve not just respect but real celebration.
Como pretendo roubar o Fogo dos Deuses para dar aos geeks.
O protótipo não usinado do primeiro modelo que começa a ser testado, o futuro TF-01 Linear (a peça branca), visto aqui ao lado do hotend metálico standard da Sethi 3D, para comparação das dimensões – Imagem: Triforma– CC-BY-SA-NC
Não falo muito sobre isso, mas eu trabalho também com impressão 3D. Em algum momento do ano passado eu decidi dedicar uma fatia maior do meu tempo a essa tecnologia cujos melhores dias eu acredito ainda estarem à frente. Eu quero poder imprimir materiais estruturais para oferecer, ao invés de protótipos, produtos finais – como peças e componentes – para indústria e consumo.
Eu quero poder trabalhar com manufatura aditiva de nylon, fibra de carbono, cerâmica e outros materiais avançados. Para isso eu preciso de altas temperaturas — acima de 300°C. Faz sentido querer tanto? Bem, novos materiais de nível industrial conhecidos como “superplásticos de engenharia”, como PC, TPI e PEEK, estão se tornando mais populares e acessíveis, e a capacidade de trabalhar com altas temperaturas será uma exigência crescente.
Contudo, apesar da variedade de marcas e formatos, o ítem crucial para a impressão 3D FDM [Deposição de Filamento], o chamado hotend, ou ‘ponta quente’ em português, continua, apesar dos avanços, bastante limitado em sua apresentação e capacidades. A peça consiste em uma câmara que é aquecida por um elemento de aquecimento, o bloco, que é controlado em circuito fechado usando um termistor para feedback de temperatura. A parte inferior do conjunto possui um bico removível que deposita o material na placa de impressão da impressora 3D.
Invariavelmente ele é feito de aço, e o controle — passivo — de calor, algo importantíssimo, é feito por peças de teflon, ou titânio+cobre, na maioria dos casos. É crucial que o filamento se mantenha relativamente frio até a entrada no bloco de aquecimento. O calor do bloco não pode subir pelo corpo do hotend e amolecer demasiadamente o filamento. Isso é chamado de heat creep [se eu fosse traduzir eu diria “insinuação do calor”], e é evitado com barreiras de calor.
Pontas quentes
O hotend padrão da Sethi 3D, de Campinas, fabricante brasileira de impressoras3D, que equipa minha impressora de filamento, é um grande produto. É um hotend que habita a região mais baixa da curva de performance, feito de aço e revestido com teflon. É um produto honesto e muito bem construído, completemente satisfatório para os casos de uso que ele atende, notadamente a impressão usando filamentos PLA e ABS. Mas esse hotend standard [e todos os outros de sua classe] tem como ítem fundamental um revestimento interno de teflon por onde passa o filamento. Esse core de teflon começa a perder sua integridade acima dos 240°.
A Sethi S3 ‘bonitificada’ em que desenvolvemos o projeto. Originalmente ela é um equipamento mais sóbrio, fechada. Um painel transparente aumenta o controle da impressão e possibilita mais liberdade na produção de mídia. – Imagem: Triforma – CC-BY-SA-NC
Restam como opção os hotends feitos inteiramente de metal [all-metal, no jargão em inglês]. Esses hotends usam um núcleo bi-metálico, normalmente titânio e cobre, como barreira de calor entre o bloco de aquecimento e o dissipador de calor [heat sink]. Permitem então temperaturas mais altas e são capazes de imprimir filamentos destinados a usos mais sofisticados. Mesmo assim as temperaturas alcançadas são ainda da mesma ordem dos hotends standards como o da Sethi, e seu desempenho visa apenas evitar a fusão precoce do filamento [heat creep].
Abro aqui um parêntese para dizer que, de alguma forma, é um tanto decepcionante para mim ver que o melhor que a indústria mundial pode fazer em 2024 é empregar titânio, um metal com índice de condutividade térmica de 25 W/mK, como barreira térmica. Tem que haver coisa melhor.
Em suma, na prática, o maker e o ocasional geek encontram seu limite por volta dos 350°. Acima disso talvez seja preciso mudar o status para CNPJ. Mas, e se fosse possível trazer ao alcance dos mortais as temperaturas olímpicas além dos 500 graus, disponíveis aos deuses do capital?
Um hotend é apenas um tubo glorificado, certo? Se o pessoal da Sethi fabricou um usando os seus conhecimentos de metais(*), um fuçador como eu poderia construir um usando seus – recém adquiridos – conhecimentos de cerâmica avançada, certo? Por que não usar essas terras maravilhosas para um fim ao qual elas são unicamente vocacionadas, como o controle térmico da ponta quente de um extrusor? Como isso foi ignorado pela indústria?
Ideias começaram a jorrar de algum canto da minha mente. Tomado por um furor criativo, comecei a ter flashes de um objeto branco-zirconia girando no ar, ganhando forma. Em um transe conjurei os meus conhecimentos de CAD [OpenSCAD, na verdade], e me acomodei diante da estação de trabalho, tendo à côté um monitor com a Tabela Periódica, para desenhar a minha visão do que seria um hotend de cerâmica, compatível com uma impressora Sethi – a minha.
Muitas horas insones depois eu tinha o esboço de meu pequeno mas intrépido objeto, de formas inusuais para um hotend, bastante apartado da aparência do heatsink convencional com seus discos metálicos empilhados. A condução do calor é muito menor na cerâmica, tornando dispensável uma grande área de dissipação de calor, o que permite alguma liberdade no desenho. As opções de textura e cor do material [que tal um cor-de-rosa para março?] adicionam ainda outra dimensão estética. O hotend pode ser uma peça bonita, afinal.
Não demorou muito – apenas alguns dias – para eu perceber a razão de não haver objetos de cerâmica amplamente disponíveis no mercado, além de peças de toillete. Provavelmente também explica o – interessante e bem a propósito deste post – formato do hotend primevo pensado pela Sethi em 2013 . Os métodos conformação cerâmica tradicionais não permitem grandes devaneios estilísticos e/ou intrincados detalhes anatômicos.
Sem meios tecnológicos para se desvencilhar totalmente da tradição, até bem pouco tempo atrás os ceramistas, mesmo os avançados, se restringiam a objetos simples como anéis e tubos, fabricados por metodos como slip cast, injeção pressurizada, moldagem a seco sob pressão e outros métodos industriais de escala. Para construir uma pequena peça para um instrumento de precisão como uma impressora 3D, cerâmica não parece mesmo ser uma escolha razoável.
Geleia de cerâmica
Entra o sol-gel, um processo que eu havia estudado bastante nos meses anteriores ao meu insight e que eu sabia ser uma possível resposta ao problema de se fazer mecânica fina com cerâmica; de criar objetos cerâmicos com grande complexidade estrutural.
A química sol-gel é a preparação de polímeros inorgânicos ou cerâmicas a partir de uma solução, através da transformação de precursores líquidos, primeiro em um ‘sol’ [de SOLução] e, finalmente, em uma estrutura de rede chamada ‘gel’.
A formação de um sol ocorre através de hidrólise/condensação das partículas, mas um sol pode ser definido mais geralmente como uma suspensão coloidal, o que abrange uma ampla gama de sistemas. A União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) define um sistema coloidal como uma dispersão de uma fase em outra onde, “as moléculas ou partículas polimoleculares dispersas em um meio têm, pelo menos em uma direção, uma dimensão entre 1 nm e 1 μm”. O leite e a maionese são exemplos de colóides.
Inúmeros trabalhos científicos têm sido escritos sobre o processo sol-gel em geral e a sua aplicação no campo das cerâmicas avançadas – ver bibliografia recomendada. Se você se lembra dos tijolos de revestimento do ônibus espacial, eles são fabricados por processos análogos a este.
Moldagem de Gel – gel casting
Os métodos de conformação cerâmica são classificados em processos de conformação a seco ou úmidos. A moldagem em gel que usamos é uma tecnologia de conformação úmida desenvolvida pelo Oak Ridge National Laboratory (ORNL), um método capaz de produzir cerâmicas de alta densidade com formas complexas, near net shape [fundição próxima da forma final]. Tem as vantagens de ter um tempo de moldagem curto, sem restrições quanto ao material de molde, uma alta resistência enquanto não sinterizado [“em verde”] e a capacidade de se aplicar seções de espessura variada.
Moldes unitários em que os protótipos foram desenvolvidos – Imagem: Triforma – CC-BY-SA-NC
Note que o método de moldagem de gel permite o uso de praticamente qualquer material para a conformação das massas cerâmicas. Isso abre uma nova e ampla avenida para a utilização de impressoras 3D não mais apenas como prototipadoras, mas como insumos ativos e muito produtivos para a manufatura de cerâmica avançada, por sua capacidade de produzir diretamente, in situ, moldes complexos de forma barata.
Isso inclui totalmente as impressoras FDM. No gelcasting, as características marcas estratificadas da impressão do molde são transferidas fielmente para as peças moldadas. Eu pretendo incorporar isso como identidade visual das peças, revelando sua origem. Outros preferirão, compreensivelmente, moldes absolutamente perfeitos e regulares impressos em SLA ou ainda usinados em aço inox.
De qualquer forma, há um enorme salto de produtividade/lucratividade para qualquer impressora FDM quando um molde de ABS que ela leva 2 horas para depositar passa a servir para replicar milhares de peças cerâmicas de alta performance em curto tempo.
Este projeto
No processo que estamos implementando, preparamos géis de base aquosa, em que o pó cerâmico [zirconia + ítrio, entre outros] é primeiro disperso em água. Em seguida, agentes gelificantes – monômero(s) e iniciador(es) – são adicionados e misturados para formar uma suspensão coloidal, como descrito anteriormente, que é depois despejada no molde de plástico ABS – impresso em 3D – e deixada para secar e formar um corpo verde. Após essa etapa, o corpo verde é desmoldado, submetido a uma secagem adicional e à sinterização a alta temperatura. Depois de sinterizado, o material passa pelo tratamento final em que é usinado e esmaltado.
Conformação da solução nos moldes plásticos. O molde em segundo plano já está fechado em processo de cura do gel/secagem – Imagem: Triforma– CC-BY-SA-NC
Até pouco tempo atrás a acrilamida (AM) era comumente usada como agente gelificante. No entanto, devido à neurotoxicidade da AM a moldagem em gel não teve como ser aproveitada em larga escala na indústria. Isso prejudicou o desenvolvimento dessa técnica e é também, em parte, responsável pela relativa escassez de objetos complexos feitos em cerâmica no mercado. O processo de modagem de gel que utilizamos neste projeto é baseado em polímeros naturais, como a agarose, o que remove os impedimentos para o aproveitamento da tecnologia.
Chega a ser poético que uma tecnologia tão antiga como a cerâmica possa ainda ser o que há de mais avançado que existe em termos de materiais. Faço parecer fácil, mas o esforço demandou meses de aprendizado teórico e prático.
No final, tenho um produto que penso ser inovador, um pequeno elemento térmico com apenas 10 g, cuja aparentemente frágil estrutura é capaz de suportar temperaturas acima de 2300° e transmitir apenas 1,7 W/mK do calor gerado. Para comparação, o titânio suporta temperaturas dessa ordem, mas tem uma condutividade térmica bem mais alta de 25 W/mK; já o teflon é um ótimo isolante, transmitindo apenas 0,2 W/mK do calor, mas não suporta temperaturas acima de meros 240°. Portanto, a baixa condutividade térmica do sistema zirconia-itrio em tese é capaz de mitigar o heat creep, e deve tornar o hotend capaz de imprimir qualquer tipo de filamento.
Como vantagens adicionais, o processo usa menos energia, não gera ruído em nenhuma fase da produção e não deixa efluentes significativos. E eu já disse que a unidade pesa apenas 10 gramas?
Para a segunda fase do projeto vale a pena incorporar um heatbreak de zirconia-magnésia à estrutura de cerâmica para reforçar ainda mais o conjunto. Poderemos chegar até onde o bloco quente aguentar. Li sobre um grupo japonês que trabalha um hotend para 850 graus. Extrusar um fio de cobre em minha impressora Sethi desktop parece um objetivo plenamente factível.
Um heatbreak cerâmico — e seu pequeno molde — para alcançar os 850°. Imagem: Triforma – CC-BY-SA-NC
Mas é agora que os problemas começam.
Testes
No momento em que escrevo estou rodeado de material de laboratório recém adquirido [beakers, erlenmeyers, provetas, balança, agitador magnético, substâncias diversas…]. O que é para ser o germe de uma empreitada industrial está a parecer, dependendo do espectador, uma sala de alguma pharma, ou um laboratório de análises rápidas da Aduana. Estou prestes a começar este experimento divisor de águas: fazer o processo descrito acima funcionar de forma consistente para a produção em série.
Preciso agora ir além do processo formal descrito e dos poucos protótipos obtidos com moldes unitários. É necessaŕio fazer também um grande número de testes de composição química, formulação, além de testes mecânicos destrutivos e de performance.
Se eu for bem sucedido e conseguir produzir em quantidade razoável a custo razoavelmente baixo, o que acredito ser totalmente possível, vou disponibilizar o produto sob venda direta no site de minha nova iniciativa empreendedora, a Triforma – em breve no ar. Penso reproduzir o modelo de negócio da Slice Engineering, licenciando OpenSource. Quero muito de ter um produto minimamente viável em meados de abril. Vou trabalhar para isso.
Divulgarei por aqui os resultados deste projeto. Mantenha contato visual.
(*) Citei a Sethi 3D um par de vezes neste texto. Declaro não ter nenhum vínculo com essa ilustre empresa campineira além do de cliente [satisfeito]. Mas claro que eu gostaria de ter. Respeito toda iniciativa industrial, principalmente se a) ligada à alta tecnologia; b) localizada no Brasil, caso em que o respeito se transforma em descombobulada admiração. :)
Uma nova preocupação no campo da segurança está surgindo e talvez você se interesse em ficar de olho no clima. Não é segredo que há uma escassez global de chips de silício, e onde há escassez, há oportunidades para bandidos e afins.
Como já mencionei no blog [aqui e aqui], uma cascata de eventos fez com que a fabricação de chips diminuísse de ritmo nos últimos anos. Em algumas áreas, como componentes analógicos para digitais, a quebra no fornecimento foi quase total para alguns dispositivos.
Mas para além dos dispositivos de entrada/saída existem outros dispositivos, como “System on a Chip” (SoC) e “Micro Controller Units” (MCU). Estes não usam os métodos mais modernos de impressão em escala nanométrica e tendem a ser feitos em fábricas de segunda ou terceira linha, onde as margens de lucro são muito baixas.
Bem, esta notícia, que foi reportada no ano passado – e amplamente ignorada, parece estar ficando mais insistente na grande mídia [The Register]. A consequência desse estado de coisas, que recebeu apenas uma menção passageira na parte inferior do artigo do The Register, é que há um buraco se abrindo na segurança das linhas de suprimento globais.
No início a escassez impulsionou os prazos de entrega de algumas semanas para alguns meses. Agora chegam a ultrapassar um ano. Alguns fabricantes estão cancelando novos projetos de design e eliminando recursos em projetos existentes, pois precisam refazer os projetos para aproveitar as peças inferiores ainda disponíveis.
Como em toda escassez, a manipulação de preços já começou, com alguns produtos agora custando cinco a dez vezes o preço que tinham há apenas um ano ou mais. O que significa que a oportunidade de lucrar de forma ilícita está de volta (não que algum dia tenha desaparecido). Os mais experientes talvez se lembrem do choque da mudança do padrão RS232 para USB “FTD-Chip”, quando a FTD mudou o driver do chip fornecido pela Microsoft e, da noite para o dia, centenas de milhares, senão milhões de mouses e produtos semelhantes para PC pararam de funcionar.
O motivo foi a “Grey Supply Line”, a infame “linha cinza” de imitações paralelas dos chips FTD, na época usados em milhões de PCs. O que estava acontecendo era que as peças não-FTD, muitas delas não-funcionais, foram feitas para parecer peças FTD reais e vendidas como “estoque recuperado” e similares, entrando, assim, na cadeia de suprimentos.
Se a história é um guia, devido à escassez e ao aumento dos preços as Grey Supply Lines entrarão em operação a qualquer momento novamente. Enquanto imitações são um problema por si só, pois na maioria das vezes são abaixo do padrão, elas também trazem um novo potencial vetor de ameaças.
Armas Cibernéticas do Mercado Cinza
Muitos chips Grey Supply passam pela China de uma maneira ou de outra, e provavelmente não passou despercebido pelas pessoas atentas que o barulho de sabres e tambores nos mares do sul da China fica cada dia pior.
Essa é uma das razões pelas quais o governo dos EUA vem pressionando o governo e os fabricantes de chips de alta qualidade de Taiwan para mudar as fábricas para os EUA (algo que os taiwaneses estão muito relutantes em fazer por várias razões óbvias). Bem, embora os chineses continentais não tenham fábricas de última geração, eles têm muita capacidade de segunda e terceira linhas. Assim, surge a oportunidade de injetar quantidades consideráveis de Grey Supply em produtos fabricados e vendidos em todo o mundo.
Mais cedo ou mais tarde, algumas peças Grey Supply serão consideradas deficientes ou abaixo do padrão, o que é de se esperar, como se viu no incidente do chip FTD. Mas a presente situação também abre a possibilidade de algo mais insidioso: a oportunidade de se incorporar armas cibernéticas nos chips Grey Supply. Esses chips não seriam totalmente abaixo do padrão, como de costume, mas teriam “um certo conteúdo extra embutido” – o qual seria como um mecanismo de disparo à espera do acionamento
Embora contaminação por malware possa ser realmente desagradável de se lidar, ela afeta as coisas principalmente no nível do software, onde fazer uma simples reinstalação completa a partir dos backups permite que você recupere a funcionalidade de seu sistema em um tempo relativamente curto. Agora considere que infestação por malware está acontecendo cada vez mais no nível de firmware, o nível mais básico, onde o usuário médio não pode fazer uma reinstalação do sistema operacional.
Mas vá um pouco mais longe e considere que o firmware está na verdade embutido nos chips, de uma maneira que muito poucas pessoas têm conhecimento para reinstalar o código operacional, e mesmo assim apenas de forma insatisfatória. Imagine o que aconteceria se não apenas computadores, mas dispositivos inteligentes e telefones de todos os tipos parassem de funcionar.
A nação mais atingida seria os EUA, na medida em que apenas um ou dois ataques recentes de ransomware demonstraram. Na sequencia viriam as nações do “primeiro mundo”, como grande parte da Europa Ocidental como também as nações da Ásia e Oriente Médio que “saltaram” uma geração de tecnologia no último quartel do século passado e início deste – tecnologia 1985-2010.
Na série de ficção científica “Fundação”, Isaac Asimov tem como enredo uma coalizão de mundos tecnicamente sofisticada, mas não militarmente poderosa, enfrentando uma guerra iniciada por uma população significativamente maior e fortemente militarizada, mas não tecnologicamente sofisticada. Em condições normais estes iriam perder. No entanto, em um plano pérfido, eles já haviam vendido muita coisa de sua tecnologia atrasada para a coalizão, em produtos domésticos e comerciais para o dia a dia.
Os produtos começaram a falhar e a coalizão descobriu que suas forças armadas eram, na verdade, fortemente dependentes desses produtos defeituosos, de tal forma que não tinham mais meios para contra-atacar à altura.
Neste mundo dos tempos modernos, o Ocidente é efetivamente a coalizão e a China o fornecedor de todos os produtos domésticos e comerciais de que tanto dependemos em um ou mais níveis. Com um pouco de imaginação, não é difícil ver como a China poderia, com base nestes pressupostos, facilmente construir um “Grande Interruptor Vermelho” no coração dos EUA, Europa, etc. com os infames produtos “Grey Supply Cyber Weaponized”.
Os smartphones continuam produzindo vítimas, à esquerda e à direita. O caso ilustre mais recente, e bizarro, foi o do deputado da Assembleia paulista, pego em uma molecagem épica.
É até divertido. Enquanto as pessoas continuarem a ignorar a tecnologia subjacente e usar smartphones na ilusão de estarem em privacidade os incidentes – e as revelações – vão continuar sua marcha, para nosso deleite*.
A fachada social, a reputação e o patrimônio das pessoas correm um risco constante na cultura da atenção e da vigilância, impulsionada pela conectividade tóxica. A vida em 2022 é mergulhada em um ambiente tecnológico sem freios éticos. As tecnologias de conectividade imploram por uma revisão geral.
O ambiente Android é notório, entre tecnologistas e engenheiros de software éticos, por sua brutal falta de princípios morais. O usuário médio não faz a menor ideia do monstro que coloca em movimento a cada interação, cada like e a cada share [e, pela minha experiência, faz um about-face toda vez que alguém tenta lhe explicar, como agora – as pessoas odeiam falar de privacidade e eu adoro provocar sua reação].
Existe alternativa a esse estado de coisas assustador? Não, não existe nenhuma solução perfeita nesta situação social de massivo analfabetismo científico-tecnológico. Contudo, podemos falar em mitigação das ameaças. Nesse momento, entra em cena o F-Droid, sistema aberto e livre [as in speech], alternativo ao mefistofélico Android.
A ética tem sido central para a comunidade F-Droid desde o início, com foco em software livre, privacidade e no controle do usuário sobre a plataforma. Uma parte fundamental do design do F-Droid é a ausência de contas de usuário.
No F=Droid, contas de usuário nunca são usadas no processo de entrega de aplicativos. Isso é por design. O F-Droid nunca teve um método para identificar ou rastrear usuários no Android. Obter informações no site f-droid.org também nunca exigiu nenhum tipo de identificação pessoal.
Ter contas de usuário torna alguns problemas muito mais fáceis de resolver: torna mais fácil incluir classificações, revisões e personalizar a documentação. No entanto, ter contas de usuário torna outros problemas muito mais difíceis de resolver, a ponto de o custo-benefício ser negativo.
As contas de usuário inevitavelmente significam que informações de identificação pessoal (IPI) serão coletadas. Contas de usuário também exigem senhas e, adicionalmente, números de telefone ou endereços de e-mail. Todos esses dados precisam ser defendidos contra acesso indevido, o que é problemático na plataforma Android. Um dos principais objetivos do F-Droid é eliminar a possibilidade de rastrear os usuários.
Quando se trata de smartphones, a verdade que nunca é dita é que contas de usuário não são um requisito técnico para a criação de um serviço – embora inúmeros aplicativos façam parecer que sim. As contas de usuário são a maneira perfeita para coletar dados e vinculá-los na criação de perfis estatísticos muito detalhados. Essa arquitetura é fundamental para rastrear usuários, a fim de mercantilizá-los e oferecê-los no pregão da economia da atenção.
As contas de usuário também são usadas para controlar o acesso a informações e dados. Elas são usadas para “bloquear região” de vídeos e bloquear seletivamente o acesso a aplicativos. É claro que existem casos de uso legítimos para restringir o acesso, como garantir que crianças possam acessar apenas conteúdo apropriado para a idade. Por outro lado existem outras maneiras de fazer isso, como a curadoria de repositórios para que o material adulto seja entregue por meio de repositórios separados e opt-in.
As contas de usuário são fundamentais para rastrear pessoas
Contas e IDs de usuários são uma parte essencial do rastreamento de usuários e da criação de perfis estatísticos duradouros. Já se tornou um truismo da Intenet, que se um serviço qualquer exige uma conta para acessá-lo, esse serviço certamente está rastreando seus usuários. Quando um usuário faz login, ele está dizendo claramente ao serviço quem ele é. E esse serviço pode facilmente atribuir ações específicas a essa conta no ato da criação do perfil.
Isso não quer dizer que não haja motivos válidos para rastrear usuários. Como mencionado anteriormente, os editores da Wikipédia são um exemplo de serviço essencial construído com base nas contas dos usuários. O que estamos dizendo é que se a privacidade é um bem importante, os requisitos de login dos infinitos sites e serviços da Internet pedem que paremos um instante para pensar.
O Google nos fornece um exemplo não muito edificante. Ele se esforça muito para fazer com que as pessoas façam login o máximo possível, e a maioria de seus serviços exige que os usuários façam login com uma conta. Até o seu navegador Chrome exige logins, que são obviamente vinculados a contas do Google. Eles geralmente justificam esse requisito dizendo que isso torna os serviços mais fáceis de usar e, portanto, “mais convenientes”. A estrada da conveniência ainda vai nos levar a todos para o purgatório.
Embora seja óbvio que o rastreamento de usuários possa fazer com que certas coisas sirvam melhor ao perfil de um usuário, o Google parece consistentemente aplicar esses casos a situações em que eles têm uma vantagem clara em obter mais dados de rastreamento.
O que funciona sem contas de usuário?
F-Droid não está sozinho na entrega de serviços úteis sem contas ou perfis de usuários. Existe toda uma linha de aplicativos, como navegadores, wikis, blocos de notas compartilhados, videoconferência, mensagens e análises estatísticas.
A primeira pergunta a ser respondida é: um serviço precisa saber quem são os usuários para funcionar? Essas informações podem permanecer apenas no dispositivo do usuário? Por exemplo, um serviço de e-mail ou de mensagens precisa saber o suficiente sobre seus usuários para poder direcionar dados de um usuário que envia uma mensagem para o destinatário pretendido. Isso significa principalmente que o servidor de mensagens depende de cada usuário ter uma conta.
Essa é uma maneira comum de implementar esse sistema, mas não é a única. Tor Onion Services [forneço o link para informação, mas não concordo com o nome do verbete da Wiki em português] segue uma abordagem diferente. Eles são projetados para rotear dados sem que nenhuma parte do sistema possa ver quem está enviando dados para quem e quem está fazendo a solicitação. O aplicativo de mensagens Briar, oferecido pelo F-Droid baseia-se nesse esquema para fazer as mensagens funcionarem sem que ninguém saiba quem está enviando para quem, fora os envolvidos na conversa. Com o Briar, as informações de contato do usuário ficam armazenadas apenas nos dispositivos dos usuários.
O aplicativo de videoconferência foi construído em torno de IDs de usuários, como contas e números de telefone. Serviços como Jitsi Meet [serviço oposto ao proprietário e fechado Zoom] foram pioneiros em uma nova forma de conexão: cada sala de conferência é representada por um nome em na URL, por exemplo, https://meet.jit.si/CanalDoTrabalho. Qualquer pessoa que tenha esse URL pode abri-lo em um navegador e entrar na sala.
O Jitsi Meet funciona lindamente e já demonstrou que as reuniões online realmente funcionam melhor sem contas de usuário – e são muito mais fáceis de configurar e gerenciar. Plataformas de reunião que não suportem ingresso com apenas uma URL [sem conta de usuário] estão fadadas à extinção.
A Wikipedia é um ótimo exemplo híbrido. É possível editar a maioria das páginas sem uma conta, apenas clicando em editar e fazendo as alterações. O conteúdo gerado pelo usuário inevitavelmente precisa de controles para sobreviver às guerras de edição e comportamento abusivo. Portanto, as contas de usuário ainda são uma parte fundamental de como a Wikipédia funciona. No entanto, neste caso o uso de contas decorre da necessidade dos editores da Wikimedia de fornecer serviços essenciais a seus usuários.
Como o ecossistema F-Droid funciona baseado em hashes de arquivos estáticos sem controles de acesso, ele pode liberar todo tipo de flexibilidade. Os repositórios-espelhos do f-droid.org/repo podem ser entregues em todo o mundo com segurança, por meio de web services, Raspberry Pis locais ou até mesmo um pen drive USB. Com o IPFS [Inter Planetary File System – Sistema de Arquivos Inter Planetário] qualquer conteúdo pode ser baixado por qualquer pessoa sem necessidade de permissões ou serviços centralizados.
Para resumir tudo a duas linhas, o F-Droid é um grande aliado do usuário consciente que deseja limitar a presença do Google em suas vidas sempre que possível.
Aqui o link para download, Caso alguma leitora ou leitor queira realmente explorar a ideia e instalá-lo, pode me perguntar nos comentários, que terei prazer em explicar e dar links para todas as informações.
Este post marca o primeiro aniversário do blog. Nada a comemorar em termos de sucesso. Memoráveis as pessoas incríveis que conheci na rede WordPress.