Vaidade das Vaidades: O Mapa Mundi do Boné de Bobo (ca. 1585)

Um geógrafo chamado Abraham Ortelius produziu em 1570 um maço encadernado de cinquenta e três mapas. Foi o primeiro atlas global e se tornou um best-seller.

Imagem do Mapa Mundi do Boné de Bobo.
Imagem: Public Domain Review

Ortelius o intitulou Teatro do Mundo. Poucos anos depois, Jean de Gourmont sobrepôs essa “projeção de Ortelius” — o globo achatado em um oval — no rosto de um bobo da corte: uma “imago mundi” retratada como um festim de tolos.

E uma ou duas décadas depois disso, um artista desconhecido fez a gravura em chapa de cobre apresentada acima, com base em seu precursor em xilogravura. O Polo Sul está mais ou menos na posição do queixo, e Bornéu à direita [do leitor], perto da maçã do rosto. Este Mapa Mundi do Boné de Bobo se tornou uma das imagens mais amplamente reproduzidas do início da era moderna, embora ninguém possa dizer precisamente o que significa. O tolo representa nosso mundo, os esforços vãos de seus habitantes? Ou a futilidade da cartografia em si: suas presunções de completude, a busca por terra nullius? Talvez esses dois bobos da corte estejam ambos presentes ali, ao mesmo tempo.

As citações espalhadas pelo mapa dizem respeito principalmente ao significado mundano. Encontramos, inscritas à esquerda da figura em um “cartuche” flutuante, três respostas à vida na Terra, atribuídas, respectivamente, a Demócrito de Abdera, Heráclito de Éfeso e Epictônio Cosmopolita. Você pode “rir” de seus absurdos (deridebat); “chorar” sobre seu estado (deflebat); ou, como com o criador deste mapa, “retratar” suas propriedades (deformabat, uma palavra cuja etimologia talvez reconheça como toda representação cartográfica também é uma deformação). À medida que nossos olhos percorrem os outros textos [clique neste link para ver a imagem em resolução máxima ], encontramos citações que abrangem os polos do estoicismo e do pessimismo: de “conhece a ti mesmo” a uma pergunta que evoca o chapéu e os sinos do bobo da corte: “Quem não tem orelhas de burro?” Abaixo do mapa, há uma frase de Eclesiastes numerando os tolos no mundo como “infinitos”; no bastão, há um trecho que ecoa o Salmo 39: “Todas as coisas são vaidade, para todo homem vivente”. E na testa do tolo, lemos: “ó cabeça, digna de uma dose de heléboro”. O heléboro era uma planta medicinal associada à purgação e, portanto, boa para restaurar o equilíbrio dos humores. Era usada para tratar muitas coisas — flatulência, lepra, ciática —, mas o público do satirista teria associado essa planta à insanidade. Mas qual cabeça é diagnosticada aqui exatamente? Habitantes do mundo que buscam conhecimento global? Ou aqueles que o vendem na forma de mapas?

Na época em que este chapéu de tolo foi criado, os mapas estavam gradualmente se tornando cada vez mais onipresentes e úteis. Novos mapas estavam sendo continuamente desenhados e impressos, coletados e padronizados, e integrados a várias profissões. A maravilha e a arrogância dos mapas faziam parte do éter cultural; Os Ensaios de Montaigne são enquadrados como um diário de viagem do eu interior, e os personagens de Shakespeare repreendem a ambição cosmográfica. E, no entanto, a cartografia ainda estava em sua infância. O tamanho da Antártida e a localização da Austrália permaneceram desconhecidos para os europeus; a capacidade de calcular a longitude no mar tinha apenas décadas. Os mapas ainda não eram totalmente ferramentas do imperialismo, ou motores da navegação global, ou a infraestrutura burocrática do racismo. É difícil evocar um momento em que as pessoas comuns desconfiavam de mapas, quando o impulso de mapear parecia estranho, vagamente suspeito — ou mesmo, como o satirista poderia sugerir, uma manifestação de loucura. Há quanto tempo isso foi, e quão enterrado. As preocupações de um bobo da corte, por mais legítimas que fossem, eram facilmente ignoradas. “Vaidade das vaidades”, ele suspira. “Tudo é vaidade”.

Texto por Sasha Archibald e Hunter Dukes

https://publicdomainreview.org/collection/fools-cap-map-of-the-world/

Tradução: Eraldo Marques (VL)

O Meu Blogar

Comecei este blog originalmente para adicionar um certo tempero em minha carreira e tentar me estabelecer como uma autoridade nas áreas de tecnologia nas quais eu me concentro. Eu gosto de escrever e achei que tinha algo a dizer.

Pessoa escrevendo um diário.
Imagem: Pexels

Olhando para trás, para meus quatro anos de blog [ou serão cinco?], agora é difícil me reconhecer como o desenvolvedor de sistemas que eu era no início da década, antes de escrever se tornar um hábito regular para mim. É engraçado porque no final das contas meu blog foi, de fato, o caminho para diversificar minha carreira, mas não necessariamente da maneira que eu esperava. Achei que se eu pudesse escrever alguns posts interessantes poderia usá-los como uma espécie de portfólio em uma reunião de negócios, mas acabou se tornando muito mais do que isso.

Imediatamente tive a exata noção da minha insignificância, e de como temos idéias erradas a respeito de nosso entorno, das relações pessoais e das expectativas. Compreendi com certo alarme como o panorama havia mudado desde os anos dourados do bloguismo, na virada do milênio, e como a atenção das pessoas não estava mais disponível como eu pensava.

Superado o choque inicial, o que me surpreendeu depois de algum tempo de escrita técnica foi que escrever não era apenas uma questão de explicar algo para o público; era, na verdade, uma ferramenta para dar rigor ao meu pensamento.

Eu sempre me preocupei, talvez demasiadamente, com minha reputação e com meus leitores em potencial e, por isso, o compromisso de escrever um post no blog sobre um assunto técnico sempre acabou envolvendo muito trabalho. Eu sabia que se não fosse criterioso, ou se fosse descuidado com o que escrevia, não só estaria desperdiçando o tempo das pessoas, como também poderia ser ridicularizado publicamente. Assim, escrevia apenas coisas sobre as quais eu tinha uma compreensão fundamental e, ao mesmo tempo, buscava atingir uma compreensão profunda sobre os outros assuntos.

Aos poucos fui decobrindo que o ritual de escrever ilumina todas essas áreas que você achava que entendia, mas estava equivocado. Isto é especialmente verdadeiro quando você sabe que pessoas competentes e conhecedoras vão lê-lo. Você começa a explicar algo em detalhes, sobre como funciona, quais são as vantagens e desvantagens, as alternativas e coisa e tal, e logo seu detector interno de asneiras dispara. Uma voz interior começa a gritar “Como você sabe disso!?” ou “Como você pode fazer esta afirmação!?”. Você percebe que seu conhecimento muitas vezes se baseia em alicerces instáveis e que suas palavras não valem muita coisa. A partir daí você então se propõe a buscar a nesga de luz que falta, a buscar os insights e as verdades fundamentais para poder explicar tudo com honestidade e autenticidade.

Quando você escreve regularmente e enfrenta esse detector interno de asneiras, as opções que te sobram são subir de nível ou ambandonar a empreitada. Escrever me forçou a aprender coisas com um padrão mais elevado.

Depois de um tempo escrevendo meu blog, percebi que ele corrigiu muita coisa no meu modo de pensar. Ensinou-me como descobrir insights que poucos tinham visto. Isso, percebo agora, me levou àquele nível mais alto que eu procurava e necessitava. Escrevi aqui postagens de muita qualidade, e se não me tornei a autoridade reconhecida que sonhava, pelo menos atingi uma espécie de calma interior, e uma maior confiança nas minhas possibilidades. Estou também muito mais preparado para os encontros de trabalho e negócios. E de fato este blog se tornou um precioso portfolio.

Agora eu tenho grande força mental para escrever sobre uma questão qualquer que eu esteja a imaginar, uma nova técnica computacional que poderá ajudar alguém, ou explicar como algo funciona. Como eu compartilho isso com as pessoas, estou sempre atento àquele detector automático de asneiras em minha cabeça que me diz quando meu pensamento está desleixado ou instável. O compartilhar também me obriga a tornar as ideias concretas e a considerar todas as suas implicações.

Continuo sendo um José Ninguém, mas se posso recomendar algo às cinco pessoas que me lêem – um grande privilégio – é que elas não vejam a escrita de blog apenas como algo para trabalhar seu marketing pessoal. Antes de mais nada, escrever em um blog é uma ferramenta que as pessoas devem usar para melhorar sua visão de mundo e levar seu conhecimento e pensamento crítico para níveis mais altos.

É como treinar o pensamento: torna você uma pessoa mais poderosa, o que se traduz em melhor percepção e compreensão do mundo ao redor. Os blogs são menos populares agora do que eram no início, mas não deixe que isso te impeça. No final das contas a pessoa que mais se beneficia, mesmo que poucas pessoas leiam, é você.

Sobre Certezas, Incertezas, Felicidade…

Em 2024 falta-nos não apenas um capitão confiável com uma tripulação competente, mas também uma carta náutica e uma bússola pelas quais um capitão possa navegar.

Imagem: pexels.com

Certezas, Incertezas

Por estes tempos a incerteza exaspera muitos de nós. Numa época de polarização, de negação não apenas das opiniões, mas também da própria humanidade daqueles de quem discordamos, poderemos abrir algum terreno comum? Aqui no meu canto eu defendo a tolerância e a liberdade de expressão. Isso inclui reconhecer os direitos de outros seres humanos de ter opiniões e aderir a valores que eu considero odiosos.

O problema surge quando a tolerância se transforma em relativismo; quando abraçamos a incerteza tão completamente que não vale mais a pena defender quaisquer valores ou princípios. Por exemplo, como podemos argumentar que os Taliban estão errados ao excluir as meninas da escola se em nossa sociedade não temos princípios sólidos sobre os quais defender que as meninas têm, de fato, direitos e oportunidades iguais na educação?

Esta falta de certeza sobre quais são os valores subjacentes da sociedade injeta um sentimento de precariedade em todos os níveis da vida social. É claro que esses valores fundamentais mudaram ao longo da história, por vezes de forma convulsiva. A ideia de igualdade universal entre os seres humanos teria sido absurda para a maioria dos nossos antepassados. A discussão pública sobre os valores mais profundos da sociedade foi essencial para mudá-los tanto na prática como na teoria.

Ao entrarmos num novo ano, sob a égide das redes sociais sem controle e das múltiplas plataformas de “inteligência artificial”, esta é a questão mais profunda sobre a incerteza: sobre o que devemos ter certeza, e como podemos justificar essa certeza para nós mesmos e para os outros? Sem tolerância no diálogo não podemos testar ideias umas contra as outras, ou reter o sentimento básico de que a humanidade de uma pessoa é valiosa, por mais fortemente que rejeitemos as suas ideias.

Sem um forte compromisso com valores fundamentais não teremos defesa contra as ideias terríveis que circularão pela rede este ano – exceto dizer que não gosto de como elas me fazem sentir.

Poderemos algum dia afirmar que nossas ideias são as melhores? Infelizmente não de todo. Podemos até testá-las contra os melhores argumentos opostos, mas em algum momento terá que haver um salto de fé envolvido em colocá-las em ação. Mas algumas ideias são de fato melhores que outras e vale a pena lutar por elas. Disso devemos ter certeza.

Sobre a Tal Felicidade

Em algum momento da história recente as pessoas esqueceram de como se divertir, de se divertir de verdade. Em vez disso, a diversão se transformou em trabalho, às vezes mais do que o verdadeiro trabalho, e esse é o estado em que estamos agora.

Cheguei a conhecer o tempo em que “a felicidade era uma pluma/que o vento ia levando pelo ar…”

A diversão agora se tornou forçada, exaustiva, programada, categorizada, intensiva, exagerada, performativa.

Olho ao redor e vejo pessoas adultas ridiculamente se fotografando — uma foto após a outra — pretendendo fazer algo parecido com “diversão”. Olhe pra mim! Me divertindo muito!

Isso me sugere fortemente que a verdadeira diversão acabou. Quando há podcasts sobre felicidade; estudos acadêmicos e estatísticas sobre felicidade; oficinas de “funtervenção”; professores comediantes; além de vários aplicativos para monitorar a felicidade, duas coisas se tornam bastante claras: a diversão está em sérios apuros e precisamos desesperadamente de alegria.

Coisas que por muito tempo foram super divertidas agora sobrecarregam, esgotam e incomodam. A temporada de férias é um exercício prolongado de barulho e caos. Em vez de relaxar na época mais maravilhosa do ano, lutamos contra o cansaço, perdidos em uma orgia de consumo.

A praia deixou de ser um dia inteiro, um oásis de descanso e relaxamento. Os veranistas agora precisam plantar uma cadeira – ou talvez oito cadeiras sob uma tenda completa com sistema de som – ao nascer do sol, e depois transportar 250 quilos de tralha em uma carroça de praia do tamanho de um Tesla Truck – que também não existia quando apenas um livro e uma toalha bastavam. Depois de todo esse trabalho a maioria das pessoas inicia a execrável rotina de olhar para seus telefones em vez do maravilhoso azul profundo.

Os casamentos se transformaram em extravagâncias de estresse em vários estágios, ao mesmo tempo em que funcionam como vias expressas para a insolvência bancária. Os casamentos se tornaram muitas coisas, mas diversão não é uma delas.

O que poderia ser um motivo maior de alegria ou mais natural do que ter um filho? Aparentemente, não muito hoje em dia. A paternidade é planificada e exagerada, incorporando mais e mais eventos absurdos que drenam as poupanças e que não existiam há algumas décadas: chás-de-bebê tão exagerados que chegam a envergonhar os megacasamentos.

As aposentadorias agora devem ter “um propósito” – além de oportunidades para crises agudas de identidade. Você precisa ter um plano, uma missão, “um coach”, uma grade compacta de atividades diárias codificadas por cores, em uma cultura onde nossos empregos são nossas identidades, e nosso valor está vinculado ao trabalho.

Precisamos realmente disso tudo?

***

Minha prece é que em 2024 eu e você possamos discutir livremente nossas frágeis certezas e iniciar o retorno a um mundo mais simples e verdadeiro. Que o ano seja simplesmente feliz para nós todos.

Uma Preocupação Minha

Embora muitos governos, incluindo os países ricos, tenham reduzido ou parado de coletar e relatar dados sobre o surto global de SARS-CoV-2, o vírus segue feliz em sua história evolutiva.

Imagem: Pexels

As últimas edições são as variantes BA.2, BA.2.12.1, BA4, BA5, e mais uma montanha de X-alguma-coisa (onde X significa ‘recombinante’), todas com taxas de transmissão muito altas, algumas ao redor de 1:25.

Um estudo pré impresso publicado no site Biorxiv, com o título “Anticorpos de Escape BA.2.12.1, BA.4 e BA.5 Induzidos Pela Infecção por Ômicron” [link, em inglês], contém muitos pontos de dados interessantes e preocupantes. É um artigo científico comprido, com 46 páginas e muitos detalhes.

Eu me dei ao trabalho de ler, para que você não precise. O sumário executivo é este:

As novas mutações escapam facilmente aos anticorpos produzidos em infecções anteriores, como também escapam aos anticorpos produzidos pelas vacinas. Isso significa: os anticorpos que você adquire ao se recuperar de um surto de COVID-19 ou de uma injeção de reforço da vacina agora não funcionarão tão bem.

Esta é uma das várias razões pelas quais a China está lutando muito para conter seus surtos de BA2. Entre os problemas, estão a) a baixa taxa de vacinação do segmento mais velho da população [levando a um aumento do excesso de mortes nessa faixa etária] e b) os próprios mecanismos de escape imunológico dessas mutações rápidas do vírus, que causam doenças em massa e com alta taxa de transmissão (1:25). Esses fatores movem-se rapidamente por grandes setores da população.

Além disso, a fase de recuperação da doença não está produzindo uma proteção confiável de anticorpos nas pessoas como se esperava. Esse pressuposto é uma das bases da políticas de “imunidade de rebanho” e das estratégias de convivência com o vírus.

A China já deve estar ciente de alguns desses problemas, pois eles têm encomendado enormes hospitais do tipo “ala Nightingale” [link em inglês, infelizmente] com mais de 400 leitos cada, cuja construção, sob demanda, não leva mais de quatro dias.

Era già tutto previsto

Eu e algumas pessoas de meu círculo – gente que faz estatística profissionalmente – previmos que isso poderia muito bem acontecer. Também previmos que a Big Phama cruzaria os braços, a menos que recebesse mais alguns bilhões de financiamentos de emergência para novas vacinas. Idem com relação à incompetência e/ou má fé de governos, etc.

E assim aconteceu. Temos uma série de cepas muito virulentas que se espalham pelas populações mais rápido que o sarampo, mas até agora não eram tão patogênicas para as pessoas já infectadas ou vacinadas anteriormente.

As probabilidades são de que o próximo inverno no hemisfério norte seja o início de outra pandemia que poderia ser facilmente evitada, e as chances são de maior patogenicidade. Teremos sorte se, de fato, ela não começar aumentar aqui no hemisfério sul em algum momento dos próximos dois meses, em função do inverno.

As marcas da Covid na história serão:

  • Medidas pequenas e tardias
  • Falência de pequenas nações.
  • Mortes aos milhões
  • Incapacitação a longo prazo.
  • Novas doenças
  • Encurtamento da expectativa de vida

Mas também,

  • Abdicação às responsabilidades
  • Populações entregues à exploração rentista
  • Governos cortando pensões e outros benefícios.
  • Nenhuma alteração nas políticas que possibilitaram a pandemia.

Tudo isso levará, quase tão certamente quanto a noite segue o dia, a outra nova pandemia neste século. Espero estar errado.

* * *

Nova postagem no meio da próxima semana. Não poderei ler as postagens dos membros do blog e dos colegas da blogosfera até o dia 17. Saudações a todos e a todas.

Cyberfront: Sabotagem Começa a Atingir o Software Open Source

O site Ars Technica reporta que um desenvolvedor foi pego adicionando código malicioso a um popular pacote de código aberto que apagou arquivos em computadores localizados na Rússia e na Bielorrússia como parte de um protesto que enfureceu muitos usuários e levantou preocupações sobre a segurança do software livre e de código aberto.

Imagem: Pexels

O aplicativo, node-ipc, adiciona a um sistema recursos de comunicação e redes neurais a outras bibliotecas de código aberto. Por ser uma dependência de outro programa, o node-ipc é baixado automaticamente e incorporado a outras bibliotecas, incluindo algumas como Vue.js CLI, que possui mais de 1 milhão de downloads semanais.

A atualização espúria do node-ipc é apenas um exemplo do que alguns pesquisadores estão chamando de protestware. Especialistas começaram a rastrear outros projetos de código aberto que também estão lançando atualizações chamando a atenção para a brutalidade da guerra da Rússia. Esta planilha lista 21 pacotes diferentes que são afetados.

Um desses pacotes é o es5-ext, que fornece código para a especificação da linguagem de script ECMAScript 6. Uma nova dependência chamada postinstall.js, que o desenvolvedor adicionou em 7 de março, verifica se o computador do usuário tem um endereço IP russo. Em caso positivo o código transmite uma “mensagem de paz”.

“Mensagem de paz”, que o sabotador codificou no aplicativo comprometido – Imagem da Internet

As pessoas que não trabalham no ramo talvez se surpreendam com a grande quantidade de software crítico que depende dos caprichos de programadores anônimos que mantêm bibliotecas de software de forma inconsistente, como hobby ou projeto secundário. Repetidas ocorrências estão transformando isso em uma vulnerabilidade séria. A Casa Branca anunciou no ano passado uma iniciativa para começar a resolver esse problema, declarando que vai passar a exigir uma “lista de materiais de software” para todo software encomendado pelo governo:

…o termo “Lista de Materiais de Software” ou “LMDS” significa um registro formal contendo os detalhes e relacionamentos da cadeia de suprimentos de vários componentes usados na construção de software. Desenvolvedores e fornecedores de software geralmente criam produtos montando e mesclando componentes de software comercial e de código aberto dos repositórios existentes. A LMDS enumera esses componentes em um determinado produto. É análogo a uma lista de ingredientes em embalagens de alimentos. Uma LMDS é útil para quem desenvolve ou fabrica software, para quem seleciona ou compra software e para quem opera software. Os desenvolvedores geralmente usam componentes de software de código aberto e de terceiros disponíveis para criar um produto; uma LMDS permite que o desenvolvedor certifique-se de que os componentes de terceiros usados em seus projetos estejam atualizados e responda rapidamente a novas vulnerabilidades. Por exemplo, os compradores podem usar uma LMDS para realizar análise de vulnerabilidade ou licença. Aqueles que operam software podem usar LMDSs para determinar facilmente se estão em risco potencial de uma vulnerabilidade recém-descoberta. Um formato LMDS universal, legível por máquina, que seja amplamente utilizado, permite maiores benefícios por meio da automação e integração de ferramentas. Os LMDSs ganham maior valor quando armazenados coletivamente em um repositório que pode ser facilmente consultado por outros aplicativos e sistemas. Compreender a cadeia de suprimentos de software, obter um LMDS e usá-lo para analisar vulnerabilidades conhecidas são cruciais no gerenciamento de riscos.

Fornecedores governamentais

Vários empreiteiros de defesa em todo o mundo usam recursos de código aberto em todos os tipos de aplicativos implantados em sistemas militares, desde comunicações, navegação, controle de voo, controle de fogo e aplicativos de missão crítica.

Grande parte do código que é modificado ou adicionado nos repositórios de código aberto está dentro do contexto de aplicativos seguros. A questão, porém, é qual o nível de exposição dos sistemas de missão crítica e outros sistemas vulneráveis a esse problema? Qual o componente de risco/recompensa mais aparente nessa escalada interminável de guerra de códigos? Talvez estejamos diante da necessidade de um acordo de não proliferação de armas cibernéticas entre estados-nações.

Bom começo

Uma LMDS é apenas uma boa prática. Os projetos de desenvolvimento bem executados sempre devem ter uma lista de requerimentos de sistema para gerenciar dependências e atualizações. Algumas licenças, a GPL e a LGPL em particular, exigem implicitamente uma licença parcial na medida em que exigem a identificação dos componentes GPL para o destinatário. Estabelecer uma lista de requerimentos que possa ser compartilhada não é um um problema complicado e é um bom começo.

...mas não suficiente

A dimensão do problema está muito além de uma Lista de Materiais. Um grande número de desenvolvedores executa muitos pacotes de software que são atualizados em massa, ou muitas vezes atualizados automaticamente a partir de uma ampla variedade de “fornecedores” em vários países.

No mundo do código aberto, instalamos chaves para os gerenciadores de repositórios (como o Ubuntu) que, em teoria, assinam os pacotes destinados ao download pelos usuários após verificá-los, mas na verdade não os verificam. Portanto, quando o desenvolvedor oficial autorizado de um pacote deseja inserir malware em seu pacote, pouco ou nada pode detê-lo. É uma violação de confiança que pode resultar em punição – uma punição que virá após o fato.

O desenvolvedor do qual falamos aqui atacou indiscriminadamente tanto civis como alvos legítimos em sua sanha de justiça – talvez tenha até cometido um crime de guerra. O que aconteceria se ele tivesse codificado seu programa para atingir alvos militares sensíveis no contexto geral das relações Leste-Oeste? E se fosse o próprio computador de Putin?

Nenhuma regra vai parar isso. Se o seu país estiver em uma guerra (uma que ele começou ou para a qual foi arrastado), você deve considerar que qualquer atualização de software em seu sistema vem de um adversário – ou de uma fonte que pode ser comprometida pelo seu adversário. Essa é a realidade da guerra.