Notas Sobre o Twitter e a Liberdade de Expressão

Eu não estava interessado no Twitter antes e não estou agora, mas o comentário gerado pela recente mudança na administração do site é muito interessante, e estarei a acompanhar os desenvolvimentos bem de perto.

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Em primeiro lugar, porque é realmente muito engraçado assistir de fora. Cenário: o Twitter, de longe a mais tóxica de todas as plataformas, está sendo vendido para um empreendedor rebelde e imprevisível e os usuários estão surtando porque têm medo de o “Twitter se tornar tóxico”. Não é uma maravilhosa ironia?

Escusado será dizer que as plataformas sociais não podem ser absolutamente livres para todos: a liberdade de expressão sempre esteve sujeita a limites e Elon Musk não parece questionar isso de forma alguma.

Ele apenas entende que as vozes daqueles que foram considerados “deploráveis”, ou “tóxicos”, ou “inaceitáveis” pela elite atual – ainda que o que eles digam esteja dentro dos limites da lei – também têm o direito de serem ouvidas.

Liberdade de expressão

Em minha filosofia pessoal, o direito de falar/escrever/expressar uma opinião, desde que esteja dentro dos limites da lei, supera o direito de qualquer progressista a um ”espaço virtual seguro”. A liberdade de expressão é muito mais importante do que Harry e Meghan se sentirem ameaçados em sua fachada pública. É deveras preocupante que isso tenha se tornado um assunto controverso.

Uma democracia saudável precisa de um debate indisciplinado e o tipo de restrição à expressão pessoal [não se trata de censura pelo fato de não envolver o estado ou o espaço público real] que parece estar acontecendo no Twitter [expulsar Donald enquanto o Talibã pode manter sua conta] está nos afastando disso. O equilíbrio precisa ser restabelecido de alguma forma.

O problema é que a grande massa historicamente excluída agora dispõe de meios poderosos de auto expressão e comunicação. Todos têm agora algo análogo a uma bomba atômica em uma maleta. Para ser totalmente franco, eu mesmo cheguei a flertar com fantasias Butlerianas. Até recentemente eu acreditava que a democratização da computação e seu poder de amplificação da experiência humana tinha sido um erro, que acabou por gerar uma ameaça existencial para a espécie. A solução, portanto, seria o confisco dessa capacidade e a limitação do poder de computação acessível ao usuário comum.

É fácil ver que a “solução” acarretaria problemas ainda maiores, o que faz as palavras de meu estimado correspondente Clive Robinson se destacarem como um verdadeiro axioma: “problemas sociais não podem ser resolvidos pela tecnologia”. Será preciso firmeza institucional e muita educação pública para que seja possível superar este momento delicado da trajetória humana.

Nota lateral: minha própria orientação política mudou nos últimos anos, de centro-esquerda para centro-direita. Vários são os fatores que causaram isso, mas comentários como os de Hillary Clinton sobre os “deploráveis” [sou hétero] não ajudaram a aumentar minha simpatia. Aquilo cristalizou a hipocrisia absoluta do lado em que eu pensava estar – alegando ser tolerante mas ainda abusando e desrespeitando pessoas que pensam diferente. O Twitter de hoje é simplesmente uma manifestação online da atitude mental a partir da qual comentários como aquele floresceram.

Aspectos pouco discutidos

Uma parte desta aquisição industrial que parece ser ignorada em favor das implicações da guerra cultural são os aspectos financeiros. O Twitter é um negócio viável? Será capaz de gerar um lucro substancial para Musk? Não faço ideia.

A outra parte da história que não foi considerada [pelo menos não que eu tenha visto] é a reação dos funcionários progressistas do Twitter. Li em algum lugar que alguns deles chegaram a chorar quando a notícia da aquisição foi divulgada (sim, eu ri). Mas como eles vão se comportar quando Musk estiver totalmente no controle? Eles vão se demitir em massa? Ou eles vão permanecer na empresa e assim minar sua própria agenda? Elon vai reequipar toda a organização com pessoas de outra matriz ideológica?

Me parece que quando Elon Musk insiste na questão da ‘liberdade de expressão’ o que ele quer dizer realmente é que “o Twitter favoreceu demais a Elite progressista, e eu não vou mais fazer isso”. É possível argumentar que a chamada Elite progressista é servida por verdadeiras ‘guildas’ para impor sua posição de dominância – as guildas, neste caso, sendo instituições como a CNN, a Rede Globo, e as Mídias Sociais, além dos sumos sacerdotes da intelligensia. A compra do Twitter por alguém aparentemente “fora da Elite” tem, portanto, uma desconfortável sensação de deslocamento.

De fato, a atmosfera pública exala, em pleno 2022, uma alarmante fragrância de fin-de-siècle oitocentista.

Da Wikipedia sobre o fin-de-siècle: O principal tema político da época era a revolta contra o materialismo, o racionalismo, o positivismo, a sociedade burguesa e a democracia liberal. A geração do fin-de-siècle apoiou o emocionalismo, o irracionalismo, o subjetivismo e o vitalismo, enquanto a mentalidade da época via a civilização como estando em uma crise que exigia uma solução massiva e total.

Liberalismo versus coletivismo

Além disso, a própria ideia contemporânea [notadamente nos EUA] de que os marxistas são “liberais” – uma filosofia fantástica que tem sido construída pelas melhores mentes acadêmicas do Ocidente por décadas – é uma falácia. No século passado os marxistas foram perseguidos, cancelados, odiados por causa das coisas horríveis que os marxistas de todo o mundo faziam.

Tanto para revidar quanto para formular um rótulo aceitável para se adaptar ao sistema político [ou mesmo para se esconder], eles inventaram uma “nova filosofia”, na verdade apenas uma regurgitação do marxismo, e a chamaram de “liberalismo progressista” como se fosse simplesmente um novo ramo do estimado liberalismo clássico.

É claro que não era nada disso – e qualquer um que se desse ao trabalho de examinar perceberia rapidamente que era a total antítese do liberalismo. Era coletivismo versus individualismo; governo grande versus governo pequeno; resultados iguais versus oportunidades iguais. E o mais importante de tudo, propagou-se um certo “imperativo moral” de violar os direitos de certas pessoas em nome de um objetivo indefinível de “justiça social” [já ouvimos isso antes?].

Infelizmente, o estratagema funcionou. A rede de professores marxistas em universidades de todos os países começou a alardear o “liberalismo progressista” como o novo eufemismo para o marxismo. Para os de fora, soava como liberalismo. Mas, as coisas sempre desandam quando, por ideologia, a palavra ‘justiça’ aparece na frente da palavra ‘social’. O resultado é sempre a negação do que se pretende: “NÃO Liberalismo” [iliberalismo] e “injustiça”.

Todos os totalitários precisam, para atingir seus objetivos, mentir perpetuamente. Do contrário seria obviamente impossível concordar com os objetivos que eles realmente querem atingir. Até cerca de 2010, havia um equilíbrio entre as pessoas que amavam a liberdade versus aqueles que queriam um governo draconiano em seu alcance social, com as diferenças geralmente sendo nuanças. Hoje, a divisão é quase perfeita – com amantes da liberdade e os progressistas cripto-totalitários em lados claramente opostos.

Vale a pena notar que Milton Friedman e F. A. Hayek, ambos odiados pelos “liberais progressistas” de hoje, que os consideram cães raivosos da direita, se recusaram a desistir do termo “liberal” em favor do termo “conservador”, referindo-se a si mesmos como “liberais clássicos”. F. A. Hayek chegou a escrever um artigo chamado “Por Que Não Sou Conservador” em um esforço para reabilitar o termo, apontando que a raiz etimológica da palavra liberal é liberdade.

O Movimento Global para Controlar as Big Techs

Hoje eu enfoco uma das seções do relatório Internet Freedom 2021, produzido pela Freedom House. Essa seção do relatório apresenta um cenário no qual o usuário segue sendo o grande perdedor na guerra titânica entre governos e empresas de tecnologia e indica um caminho a seguir. Em um mundo perfeito este material teria uma repercussão também na mídia tradicional e nos grandes portais online. Mas, por algum motivo, somos nós bloguistas de tecnologia que tomamos nas mãos essa missão. Que assim seja.

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Na grande batalha entre estados nacionais e empresas de tecnologia, os direitos dos usuários da Internet se tornaram as principais vítimas. Um número crescente de governos tem afirmado sua autoridade sobre empresas de tecnologia, muitas vezes forçando as empresas a terem papel ativo na censura e vigilância online. Esses desenvolvimentos constituíram, em seu conjunto, um ataque sem precedentes à liberdade de expressão online, fazendo com que a liberdade global da internet diminuísse pelo 11º ano consecutivo.

As normas globais mudaram drasticamente no sentido de uma maior intervenção governamental na esfera digital. Dos setenta estados cobertos pelo relatório, um total de quarenta e oito ingressou com ações judiciais ou administrativas contra empresas de tecnologia. Enquanto alguns movimentos refletiram tentativas legítimas de mitigar danos online, controlar o uso indevido de dados ou acabar com as práticas de mercado manipuladoras, muitas novas leis nacionais impuseram censura excessivamente ampla e requisitos de coleta de dados ao setor privado. As atividades online dos usuários agora são moderadas e monitoradas por empresas de forma mais difundida, através de processos que carecem das salvaguardas requeridas na governança democrática, como transparência, supervisão judicial e responsabilidade pública.

O impulso em direção à regulamentação nacional surgiu em parte devido à persistente falha em enfrentar os danos on-line por meio da autorregulação. Os Estados Unidos desempenharam um papel importante na definição das primeiras normas da Internet em torno da liberdade de expressão e dos mercados livres, mas sua abordagem laissez-faire para a indústria de tecnologia criou oportunidades para manipulação autoritária, exploração de dados e prevaricação generalizada.

Na ausência de uma visão global compartilhada para uma internet livre e aberta, os governos estão adotando suas próprias abordagens individuais para policiar a esfera digital. Os formuladores de políticas em muitos países têm citado uma vaga necessidade de retomar o controle da Internet das mãos de potências estrangeiras, corporações multinacionais e, em alguns casos, da sociedade civil.

Esse deslocamento de poder das empresas para os estados ocorreu em meio a um recorde de atentados contra a liberdade de expressão online. Em 56 países, as autoridades prenderam ou condenaram pessoas por seu discurso online. Os governos suspenderam o acesso à internet em pelo menos 20 países, e 21 estados bloquearam o acesso às plataformas de mídia social, mais frequentemente em tempos de turbulência política, como protestos e eleições. À medida que a repressão digital se intensifica e se expande para mais países, os usuários, compreensivelmente, não têm confiança de que as iniciativas de seus governos para regulamentar a internet levarão a uma maior proteção de seus direitos.

O recente surto de ação regulatória pode ser classificado em três categorias relativas a a) conteúdo online; b) dados pessoais e c) comportamento de mercado. Muitas das novas medidas em cada categoria têm o potencial de ameaçar os interesses dos usuários.

Mais governos introduziram regras problemáticas para remover a opinião dos usuários das plataformas da Internet. Algumas das leis foram criadas para suprimir conteúdo que seja crítico ao governo, em vez de proteger os usuários de material nocivo. Outras leis atenuam os padrões do devido processo legal, eliminando a necessidade de uma ordem judicial ou obrigando o uso de inteligência artificial (IA) para a remoção de conteúdo, o que pode resultar em danos colaterais significativos para a expressão política, social e religiosa. Apenas em alguns casos essas leis exigem que as empresas realizem relatórios de transparência e forneçam aos produtores de conteúdo uma via para apelação. Os usuários são cada vez mais deixados sem ajuda para enfrentar os sistemas de moderação obscuros das empresas e proteger seus direitos online.

A Liberdade de Expressão Atrás das Grades: autoridades governamentais investigaram, prenderam ou condenaram pessoas com base apenas em seus posts em redes sociais. – Imagem: Freedom House

Um padrão semelhante é aparente em questões de gerenciamento de dados. Um número crescente de leis facilita a vigilância do governo ao enfraquecer a criptografia e obrigar que as plataformas armazenem dados do usuário em servidores localizados no país. Esses requisitos de localização deixam os dados especialmente vulneráveis ​​em ambientes com padrões fracos de estado de direito e tornam mais difícil para as empresas oferecer serviços transnacionais com fortes recursos de segurança cibernética. Mesmo as leis que consagram os direitos dos usuários de controlar seus dados geralmente contêm vagas isenções para a segurança nacional, enquanto outras impõem requisitos de licenciamento onerosos para empresas locais e estrangeiras.

Os reguladores da indústria em todo o mundo têm compartilhado o empenho em reprimir as práticas comerciais anticompetitivas e abusivas. Grandes empresas de tecnologia receberam multas pesadas por não protegerem os dados e explorar seu poder de mercado para promover seus próprios produtos. Em alguns países, as autoridades trabalharam com as empresas para tornar os produtos concorrentes interoperáveis ​​e permitir que os usuários alternassem entre eles com mais facilidade. No entanto, regimes autoritários como os da China e da Rússia tomaram medidas violentas, sem levar em conta o devido processo legal ou o Estado de Direito, refletindo o desejo de subordinar ainda mais o setor privado aos interesses políticos repressivos do Estado.

Aproveitar a tecnologia para difusão de valores democráticos

Ainda há tempo para os governos democráticos buscarem medidas inteligentes e estritas para proteger os direitos dos usuários online. Democracias deveriam lidar com maior transparência e responsabilidade em relação às práticas de moderação de conteúdo das plataformas. As leis de privacidade de dados devem se concentrar na proteção dos usuários, evitando uma maior fragmentação da Internet. E a política de concorrência deve promover a inovação que responda à demanda do usuário por maior personalização, segurança e interoperabilidade. A regulamentação deve garantir que o poder não se acumule nas mãos de apenas alguns atores dominantes, seja no governo ou no setor privado.

O poder emancipatório da internet depende de sua natureza igualitária. Onde quer que um usuário esteja baseado, uma Internet livre e aberta deve oferecer acesso igual a ferramentas educacionais, criativas e comunicativas que facilitem o progresso pessoal e social. Os governos democráticos têm a obrigação de criar regulamentações que permitam aos usuários se expressar livremente, compartilhar informações além das fronteiras e responsabilizar os poderosos. Caso contrário, as novas tecnologias podem servir para reforçar e acelerar o declínio global da democracia.

Fonte: Freedom on the Internet 2021