Tag: Vox Leone
Sobre Certezas, Incertezas, Felicidade…
Em 2024 falta-nos não apenas um capitão confiável com uma tripulação competente, mas também uma carta náutica e uma bússola pelas quais um capitão possa navegar.

Certezas, Incertezas
Por estes tempos a incerteza exaspera muitos de nós. Numa época de polarização, de negação não apenas das opiniões, mas também da própria humanidade daqueles de quem discordamos, poderemos abrir algum terreno comum? Aqui no meu canto eu defendo a tolerância e a liberdade de expressão. Isso inclui reconhecer os direitos de outros seres humanos de ter opiniões e aderir a valores que eu considero odiosos.
O problema surge quando a tolerância se transforma em relativismo; quando abraçamos a incerteza tão completamente que não vale mais a pena defender quaisquer valores ou princípios. Por exemplo, como podemos argumentar que os Taliban estão errados ao excluir as meninas da escola se em nossa sociedade não temos princípios sólidos sobre os quais defender que as meninas têm, de fato, direitos e oportunidades iguais na educação?
Esta falta de certeza sobre quais são os valores subjacentes da sociedade injeta um sentimento de precariedade em todos os níveis da vida social. É claro que esses valores fundamentais mudaram ao longo da história, por vezes de forma convulsiva. A ideia de igualdade universal entre os seres humanos teria sido absurda para a maioria dos nossos antepassados. A discussão pública sobre os valores mais profundos da sociedade foi essencial para mudá-los tanto na prática como na teoria.
Ao entrarmos num novo ano, sob a égide das redes sociais sem controle e das múltiplas plataformas de “inteligência artificial”, esta é a questão mais profunda sobre a incerteza: sobre o que devemos ter certeza, e como podemos justificar essa certeza para nós mesmos e para os outros? Sem tolerância no diálogo não podemos testar ideias umas contra as outras, ou reter o sentimento básico de que a humanidade de uma pessoa é valiosa, por mais fortemente que rejeitemos as suas ideias.
Sem um forte compromisso com valores fundamentais não teremos defesa contra as ideias terríveis que circularão pela rede este ano – exceto dizer que não gosto de como elas me fazem sentir.
Poderemos algum dia afirmar que nossas ideias são as melhores? Infelizmente não de todo. Podemos até testá-las contra os melhores argumentos opostos, mas em algum momento terá que haver um salto de fé envolvido em colocá-las em ação. Mas algumas ideias são de fato melhores que outras e vale a pena lutar por elas. Disso devemos ter certeza.
Sobre a Tal Felicidade
Em algum momento da história recente as pessoas esqueceram de como se divertir, de se divertir de verdade. Em vez disso, a diversão se transformou em trabalho, às vezes mais do que o verdadeiro trabalho, e esse é o estado em que estamos agora.
Cheguei a conhecer o tempo em que “a felicidade era uma pluma/que o vento ia levando pelo ar…”
A diversão agora se tornou forçada, exaustiva, programada, categorizada, intensiva, exagerada, performativa.
Olho ao redor e vejo pessoas adultas ridiculamente se fotografando — uma foto após a outra — pretendendo fazer algo parecido com “diversão”. Olhe pra mim! Me divertindo muito!
Isso me sugere fortemente que a verdadeira diversão acabou. Quando há podcasts sobre felicidade; estudos acadêmicos e estatísticas sobre felicidade; oficinas de “funtervenção”; professores comediantes; além de vários aplicativos para monitorar a felicidade, duas coisas se tornam bastante claras: a diversão está em sérios apuros e precisamos desesperadamente de alegria.
Coisas que por muito tempo foram super divertidas agora sobrecarregam, esgotam e incomodam. A temporada de férias é um exercício prolongado de barulho e caos. Em vez de relaxar na época mais maravilhosa do ano, lutamos contra o cansaço, perdidos em uma orgia de consumo.
A praia deixou de ser um dia inteiro, um oásis de descanso e relaxamento. Os veranistas agora precisam plantar uma cadeira – ou talvez oito cadeiras sob uma tenda completa com sistema de som – ao nascer do sol, e depois transportar 250 quilos de tralha em uma carroça de praia do tamanho de um Tesla Truck – que também não existia quando apenas um livro e uma toalha bastavam. Depois de todo esse trabalho a maioria das pessoas inicia a execrável rotina de olhar para seus telefones em vez do maravilhoso azul profundo.
Os casamentos se transformaram em extravagâncias de estresse em vários estágios, ao mesmo tempo em que funcionam como vias expressas para a insolvência bancária. Os casamentos se tornaram muitas coisas, mas diversão não é uma delas.
O que poderia ser um motivo maior de alegria ou mais natural do que ter um filho? Aparentemente, não muito hoje em dia. A paternidade é planificada e exagerada, incorporando mais e mais eventos absurdos que drenam as poupanças e que não existiam há algumas décadas: chás-de-bebê tão exagerados que chegam a envergonhar os megacasamentos.
As aposentadorias agora devem ter “um propósito” – além de oportunidades para crises agudas de identidade. Você precisa ter um plano, uma missão, “um coach”, uma grade compacta de atividades diárias codificadas por cores, em uma cultura onde nossos empregos são nossas identidades, e nosso valor está vinculado ao trabalho.
Precisamos realmente disso tudo?
***
Minha prece é que em 2024 eu e você possamos discutir livremente nossas frágeis certezas e iniciar o retorno a um mundo mais simples e verdadeiro. Que o ano seja simplesmente feliz para nós todos.
Pequena Ode à Matemática
Acho maravilhosas as histórias de aprendizagem ao longo da vida. Em algum momento da minha vida eu também tive que perceber que o aprendizado era em si mesmo a chave para a realização pessoal, e não uma ferramenta para criar coisas.

Levei metade do meu tempo sobre este planeta para perceber que nossas criações são marcadores temporários de nosso crescimento e tendem a ser pontos culminantes, isolados, na vida; aqueles do quais nos lembramos. Mas somente o aprendizado constante e anônimo nos permite continuar a crescer.
Eu amo matemática desde que me vi sentado em uma aula de álgebra na 5ª série – o mundo adulto finalmente estava ao meu alcance, fantasiava eu inocentemente. Não foi até o colegial técnico, no entanto, quando fui apresentado ao conceito de números imaginários e a raiz quadrada de menos um, que comecei a ver na matemática uma certa mágica que estranhamente desafiava a lógica, em vez de defini-la.
Uma vez que você vê alguém usar abstrações matemáticas para resolver problemas do mundo real, você começa a ver Deus na máquina. A multiplicação de 1 por i, a unidade imaginaria (1 x i) é geometricamente equivalente a uma rotação de 90 graus. Assim, podemos usar esse princípio para fazer algo concreto. E, de fato, fazemos; esse princípio é usado nos smartphones para mapear a rotação da tela. Portanto, às vezes é preciso entrar no reino dos números imaginários para encontrar uma solução – multiplicar por i – que pode ser aplicada aos problemas do mundo real. Mas os professores parecem nunca nos dar exemplos simples como esse em sala de aula.
Por um aprendizado natural
Se a matemática fosse ensinada às crianças na escola primária por verdadeiros amantes da matéria, provavelmente encorajaríamos mais crianças a apreciar a matemática e toda a sua maravilhosa simplicidade. Ou se talvez o ensino de matemática pudesse começar com a teoria dos conjuntos – que traz conceitos instintivos (união, intersecção, pertencer, não pertencer) – ao invés da abstrata teoria dos números e suas operações.
Nosso sistema de ensino obriga os professores a focar em um rigor desnecessário em que a resposta a um problema colocado sempre deve ser estritamente correta ou incorreta. Isso conflita com a função básica do sistema de ensino que é estimular nas crianças e jovens o exercício do processo mental, o algoritmo do pensamento – para não dizer que, em algumas áreas, também conflita com o Princípio da Incerteza de Heisenbeg.
Como grande parte dos alunos hoje faz seus trabalhos e exames em computadores, os professores não revisam fisicamente o rascunho dos trabalhos escolares/acadêmicos e portanto não vêem o desenvolvimento do processo de pensamento de seus alunos/orientados. Além disso, como a maioria dos professores naturalmente não é acadêmica, por uma questão de praticidade eles ensinam simplesmente da maneira que é indicada na edição do professor do livro didático.
Há muitas maneiras de pensar sobre problemas matemáticos. Se os alunos pudessem ser encorajados a pensar em formas inusitadas e originais de atacar os problemas, talvez então não incutiríamos tanta ansiedade e aversão à matemática na tenra idade.
Beleza e utilidade
Além de bela a matemática também é incrivelmente útil. Assuntos como teoria dos grupos e geometria diferencial, que começaram como matemática pura, desempenharam papéis importantes na física de altas energias e na relatividade geral, respectivamente. O campo relativamente novo da informação quântica é bastante matemático, extraindo resultados da teoria dos grupos – que generaliza a citada teoria dos conjuntos – e da teoria dos números, também acima mencionada, bem como de outras áreas da matemática. Em suma, o universo fala matemática.
Encorajamento familiar
O fator que mais determina como as crianças vêem e se comportam em relação à matemática é o que os adultos lhes dizem. Os pais muitas vezes se tornam o maior obstáculo no aprimoramento dos métodos de ensino de matemática porque eles mesmos trazem uma bagagem equivocada [“você nunca vai usar na vida real”, “matemática é difícil mesmo”]. A pobreza dos estímulos ambientais na era das redes sociais e da economia da atenção também têm sua cota de contribuição para este estado de coisas.
Estudos mostram que mais da metade dos calouros universitários que pretendem se formar em ciências ou engenharia desistem após a primeira aula de matemática na faculdade porque não tiram A e acabam por achar que é muito difícil. Frequentemente os adultos são os principais culpados.
Não podemos ser um país de artistas e sociólogos apenas, por mais exuberantes que eles sejam. Temos necessidade vital de ciência bruta e das várias engenharias. O promissor campo da inteligência artificial usa uma matemática pesada. Temos uma enorme escassez de professores e outros especialistas qualificados em matemática. Não podemos perder de vista o simples fato de que todo nosso estilo de vida baseado na tecnologia depende criticamente da matemática.
Epílogo
Recentemente de volta à universidade para uma nova rodada de estudos, enquanto eu refazia alguns dos cursos tive vários momentos de gratidão às estrelas por ter sempre entendido que aquelas matérias como matrizes, derivações e integrações, e propriedades como a propriedade associativa e a propriedade comutativa, não eram apenas extras inconsequentes; eram fundamentais não apenas para entender matemática, mas para entender muitas outras coisas nos sistemas compostos por humanos.
Desde o início da minha vida profissional, tentei ao máximo vincular a matemática ao mundo real e às “disciplinas do mundo”. Alguns campos da matemática, até aqueles que não consideramos relacionados à matemática, são fundamentais, e podem fazer a diferença em situações pessoais decisivas. Não apenas os campos óbvios da física, química, engenharia e economia.
- A evolução da história está repleta de conexões com grandes descobertas e desenvolvimentos matemáticos;
- A estrutura das linguagens é matemática por natureza – ver processamento de linguagem natural.;
- Obviamente, entender o funcionamento interno do corpo humano depende principalmente da matemática;
- O mesmo com as artes em geral e a música em particular.
Antes da era romana, os filósofos gregos criaram alguns dos fundamentos da lógica matemática. Após a queda de Roma, os árabes inventaram a álgebra e muitos outros desenvolvimentos. Nossos ancestrais culturais, os romanos, no entanto, embora usassem a geometria constantemente em sua fenomenal engenharia, praticamente nada contribuíram para o desenvolvimento formal da matemática.
Talvez eles estivessem ocupados demais a promover guerras e conquistas.
Se alguém por acaso lê isto, lembro que este é o mês de aniversário do blog – 2 anos, e temi não ter tempo para postar esta peça. Teria sido lamentável; o único mês sem postagem na curta história do blog. Ufa, não desta vez.
A partir de abril vou começar a escrever bastante sobre AI e visão de computador. Na próxima semana trago um post sobre meu sensacional – e único – dataset para visão de computador na pecuária, minha nova paixão. Conteúdo altamente informativo em que o destaque é a busca da adaptação da IA ao ambiente brasileiro. Vamos aprender juntos.
Propostas Para um Mundo um Pouco Melhor
Ninguém gosta de mencionar que a raça humana se tornou simplesmente grande demais para ser sustentada pelo planeta.

É nisso que tem resultado o “progresso tecnológico” na Economia da Vigilância e do rentismo: apenas mais e mais humanos. Para certas elites. a expressão “Crise do Clima” é uma abreviação que elas usam quando querem dizer “humanos em excesso”. E eu diria que, a esse respeito, o Clube de Roma, com sua peroração pelo controle populacional está, a meu ver, provavelmente correto.
Por outro lado, os Clubes em Roma, Londres e Nova York estão cheios de oligarcas que simplesmente detestam a perda de poder e competição que a democracia representa. Eles também sabem que a economia ocidental/americana/dólar está à beira da exaustão e do colapso.
“Sim, podemos” voltar a uma economia do século 18, ou 16, ou 14, mas para fazer isso devemos reduzir a população a um equivalente do século 18. Isso parece agora inevitável e as mentes preocupadas se perguntam se há uma maneira educada de fazer isso. Como desacelerar sem causar caos e destruição em larga escala?
As Elites do mundo parecem desejar ativamente que isso aconteça, e podemos muito bem estar à beira disso. Imagine uma economia e população de estilo medieval, exceto que vigiada e controlada por computadores, em um verdadeiro cenário de pesadelo. E é para onde estamos indo diretamente. Os membros da elite mundial obscenamente rica planejam enfrentar a tempestade na superfície escondendo-se nos luxuosos bunkers subterrâneos que estão a construir febrilmente.
Sair do imobilismo
Os trabalhadores impulsionaram o progresso material até o fim do século 20. Agora são as classes gerenciais que impulsionam o progresso tecnológico e elas são muito bem remuneradas para isso, além de contar com uma ajudazinha do trabalho anônimo dos operadores e técnicos de produção que ganham, quando muito, 50.000 dólares por ano. Poderíamos continuar a manter o mesmo progresso material que tivemos no meio do século 20, se tivéssemos um plano. Mas ninguém o faz.
Aqui está o meu plano. Ele é muito simples, e tem que começar pelos mais jovens porque essa é a única esperança:
- ensinar as crianças a construir coisas reais: engenharia, arquitetura, carros, motores, estradas, sem prejuízo da Grande Arte e do Ambiente; ensine-as a cozinhar e cultivar alimentos; ensine-lhes economia financeira. Isso leva a:
- estabelecer um serviço nacional [sei lá como], destinado aos jovens, especialmente alunos de baixo desempenho escolar e social. Este serviço seria o pilar de uma estrutura de estímulo a uma cultura de cooperação, coragem e ousadia, em suma, uma instituição para inflamar os espíritos.
- reformular os estudos religiosos, bem como os cursos de “educação moral e cívica”, nas escolas estaduais, mudando-os para algo como FPC, filosofia, política e cristianismo – enfim, um bom curso sobre o que realmente importa para nossa civilização.
- criar envolvimento político obrigatório nas escolas via o que eu [super antigo eu] chamaria de “parlamentos juvenis” [não mais “centros acadêmicos” – por razões que posso explicar nos comentários] e outros campos de aprendizagem para os interessados em política.
- aperfeiçoar o acrônimo STEM e chamá-lo de STEAM – Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática – afinal entre os séculos 18 e 19, quando STEM nasceu, a máquina a vapor, Beethoven e Goethe ocupavam o mesmo plano na ordem das coisas, correto?
- tornar os smartphones ilegais para menores de 16 anos.
- qualquer outra coisa que o senso comum já teria feito há 20 ou 30 anos.
Tenho sido relapso com o Blog, mas isso é passageiro. Tem havido na fila muita coisa para ser processada. Mantenho o mesmo entusiasmo do início e a partir de janeiro vamos ter coisas muito legais para postar. Com nossa entrada – no início tímida, tateando – nos serviços de agricultura de precisão [tradução: DRONES!], teremos muito material de qualidade para valorizar a “experiência” dos amigos leitores. Mal posso esperar.
Desejo a todos um belo Natal. Que em 2023 possamos ter muitos momentos de paz, alegria e amor, e triunfar nos empreendimentos. Boa sorte e saúde!
Volto na segunda semana de Janeiro – ou antes!
Um Infográfico para Entender o Velho Dinheiro Inglês – Definitivamente
Recentemente trabalhei em uma pequena aplicação para conversão entre moedas, o que me levou ao desenvolvimento de algo aparentemente inédito – que compartilho hoje com meus leitores.
Ao iniciar o trabalho no que deveria ser um simples código de conversão aritmética para a libra inglesa pré-decimal, eu senti que precisava de um guia visual para tornar mais confortável a composição no computador; algo que eu pudesse olhar enquanto digitava. Vasculhei a Internet em busca de uma figura que fosse parecida com o que eu tinha em mente e não encontrei. Comecei a rascunhar um diagrama para poder manter o objeto do assunto em perspectiva.
Me dei conta então que eu tinha em mãos um material novo e diferente para desenvolver. Depois de alguns dias de trabalho no LibreOffice Draw eu tinha pronto o infográfico que compartilho nesta postagem – que pode ser visto aqui, para aqueles que não pretendem ler um texto tão longo (fique à vontade para compartilhar em seu grupo da OpenEnglish, please). Achei que poderia ser interessante e útil para anglófilos, estudantes, viajantes, cidadãos do mundo e curiosos em geral.
Foi possível condensar a informação, de forma que o resultado final pode se sustentar por si próprio (como um poster) e ser compartilhado em aplicativos de mensagem e outros meios orientados à imagem. Eu gostaria de tê-lo postado aqui sozinho em sua própria glória. Mas este blog foi concebido para ter um formato longo — e disso não abro mão. Portanto era imperativo ter um texto para acompanhar a imagem, o que fiz após uma laboriosa pesquisa. Aqui está, então, esse curioso texto que foi penosamente escrito com o único objetivo de servir de escada para uma bela imagem. Esta é a Web. Voilà!
Roma e os Francos
Escrever este post acabou sendo um mergulho no mundo do dinheiro medieval. Durante os meses em que trabalhei nele pude me deter na fascinante Libra Esterlina e seu convoluto sistema duodecimal, que sempre refletiu a intrincada relação entre os vários pesos e medidas que vigoravam nas centenas de feudos e reinos medievais. Pude ter uma visão clara de como a Libra inglesa, herdeira de Roma, assimilou em si valores tradicionais, não necessariamente moedas, que desde tempos ancestrais expressavam equivalência entre pesos de metais diversos.
Como sabemos, depois do colapso do império romano, durante o feudalismo, a Europa era um mundo caótico de minúsculos reinos, costumes, pesos, medidas, leis e moedas. Principalmente moedas. Havia o Albus, no norte da Alemanha, o Denário na França, o Dinar árabe na Ibéria islâmica, o Doblo na Ibéria cristã, e uma profusão de outras na Europa central e península Itálica (o Ducado, o Florim, o Genovino, o Grosso, etc., etc.)
O pai de Carlos Magno, Pepino III, o breve, rei dos Francos – que haviam herdado de Roma seus grandes domínios territoriais – iniciou a revisão desses sistemas monetários fechando as casas de moeda dos grandes magnatas e prelados do Império e estabelecendo os direitos de cunhagem como um privilégio exclusivamente real. No entanto, mesmo com as reformas, o sistema permaneceu confuso. Havia ainda muitas diferenças de valor mesmo entre moedas de mesma denominação – 22 xelins para a libra imperial, xelins extras da casa da moeda, xelins do Tesouro Imperial…
Esse primeiro esforço regulatório de Pepino III deu ímpeto a Carlos Magno para introduzir posteriormente uma reforma mais abrangente e duradoura, que trazia uma padronização muito mais ampla destinada a tornar o Império mais governável.
Ele definiu então o que conhecemos como libra carolíngia, inicialmente como uma nova unidade de peso (408 g), significativamente maior que a antiga libra romana de 328,9 g. Também introduziu uma nova moeda de prata chamada denário, dos quais 240 compunham 1 libra de prata pura. Um denário (também denar ou denier) continha 1,7 g de prata. Para facilitar os cálculos monetários, também foi introduzida uma unidade de conta, o solidus, de modo que 1 solidus = 12 denários. Assim começou o sistema monetário tripartido característico: L 1 = 20s = 240d.
Com o Império de Carlos Magno esse sistema estabeleceu supremacia por toda a Europa ocidental. Após a conquista normanda em 1066, o sistema foi introduzido também na Inglaterra, reproduzindo exatamente o padrão carolíngio do continente: Uma Libra dividida em 20 Xelins (Solidus) e 240 centavos/pennies (Denários).
Esse sistema foi abandonado em 1971 com a decimalização da Libra. Com a decimalização a libra é hoje parecida com quase todos os outros sistemas monetários do ocidente. Genericamente: 1 Unidade Monetária dividida por 100 subunidades agrupadas em certas quantidades de conveniência.
No infográfico abaixo um instantâneo do sistema carolíngio no Reino Unido pouco antes da decimalização, em 15 de Fevereiro de 1971 (decimal day):

A seguir uma descrição de cada denominação e alguns fatos a respeito de cada uma delas. Todas as imagens são cortesia de Wikimedia Commons.
Farthing

A menor denominação do sistema da Libra esterlina. Esse vocábulo tem origem no Inglês antigo feorðing, “quarto de um centavo”. No inglês antigo tardio também referenciava uma unidade de divisão de terra; os condados eram costumeiramente subdivididos em quatro farthings (“quadras” ou “quartos”). A palavra cognata tanto do norueguês quanto do dinamarquês antigos significa “uma quarta parte de qualquer coisa.”
O primeiro farthing redondo (de prata) foi emitido em 1279 sob Edward I. Antes dessa data, para troco em espécie nas negociações um penny era dividido fisicamente em duas metades – ou ainda em quatro quartos. Isso era conhecido como halving ou fouring. O têrmo Farthing foi provavelmente derivado de fouring.
No linguajar popular é também sinônimo de algo de pouco valor. A palavra latina correspondente em traduções bíblicas é “quadrans” – quarto de denário.
Meio penny – Ha’penny [half penny]

O meio “centavo” moderno sobreviveu de 1672 a 1967, mas essa denominação pode ser encontrada na história inglesa já por volta do ano 890. O half penny era coloquialmente escrito como ha’penny e pronunciado HAY-pə-nee. Muitas expressões idiomáticas ainda fazem referência ao half penny, como “two ha’pennies for a penny” – ‘trocar seis por mea duzia’. Na gíria das ruas era uma referência à vulva.
O ‘half penny carolíngio’ foi retirado em 1971 na decimalização, e substituído pelo meio centavo novo decimal, com 1/2p valendo 1,2d.
Penny

O penny inglês, de origem carolíngia, é uma fração de 1/240 libra. Acho um tanto desconfortável me referir a ele como ‘centavo’ [centésima parte], segundo o costume da língua portuguesa. Neste texto eu procuro manter o vocábulo original inglês, por falta de um melhor.
O plural de “penny” é “pence” quando se refere a uma quantidade de dinheiro, e “pennies” quando se refere a várias moedas.
Os reinos da Inglaterra e da Escócia foram fundidos pelo Ato de União de 1707 para formar o Reino Unido da Grã-Bretanha. Assim, em 1707 a moeda escocesa deixou de ter curso legal, com a libra passando a ser usada em toda a Grã-Bretanha. O penny veio a substituir o xelim escocês.
O design e as especificações da moeda esterlina de um penny ficaram inalterados pela unificação, de modo que ela continuou a ser cunhada em prata depois de 1707.
Em tempos antigos o penny podia ser combinado em dois para formar o two pence (2d), e em quatro constituindo o groat (4d).
Três pence – Three pence

A moeda de três pence (3d), entrou em circulação pela primeira vez em meados do século XVI, durante a era do rei Eduardo VI. Valia 1/80 de uma libra, ou ¼ de um xelim. A moeda permaneceu em circulação, em várias versões, até a entrada em vigor da libra decimal.
O três pence sofreu muitas mudanças ao longo dos séculos. Enquanto algumas épocas os tiveram emitidos para circulação geral, outros períodos usaram o três pence como dinheiro cerimonial [ver maundy money]. Como moeda, a denominação chegou a ser cunhada em níquel-latão, pesando 6,8 g e medindo 21 mm, e em prata, como uma moeda de 1,5 g, com um diâmetro de 16,2 mm.
Seis pence – Sixpence

Os primeiros seis pence foram cunhados em 1551, também sob Eduardo VI. Eles surgiram como resultado da degradação da moeda de prata na década de 1540, em particular o testoon de prata, que caiu em valor de 12d para 6d. O testoon mesmo degradado ainda era útil em transações cotidianas, e assim foi decidido que ele devia ser transformado em uma nova moeda com a denominação de “seis pence”.
O testoon se desvalorizou porque na época, ao contrário de hoje, o valor das moedas era determinado pelo valor de mercado do metal que continham. Durante o reinado de Henrique VIII, a pureza da prata na cunhagem havia caído significativamente.
Os seis pence foram emitidos durante o reinado de todos os monarcas britânicos após Eduardo VI, bem como durante a Commonwealth, com um grande número de variações e alterações ao longo dos anos.
(*) Em 2016, a Casa da Moeda Real começou a cunhar moedas decimais de seis pence em prata, destinadas a serem compradas como presentes de Natal. Essas moedas são mais pesadas que os seis pence anteriores a 1970 (3,35 gramas em vez de 2,83 gramas) e têm a denominação de seis pence novos (6p) em vez de seis pence antigos (6d).
Xelim – Shilling

Uma moeda fiduciária por direito próprio. Foi usado como dinheiro soberano por muitos reinos europeus [ver wiki]. O xelim inglês teve origem, como o seis pence, no já mencionado ‘testoon’, que foi emitido em 1504 sob o reinado de Henrique VII. Um testoon valia 12 pence e era feito de prata. O testoon continuou durante o reinado de Henrique VIII. O testoon de 12 pence foi finamente renomeado como xelim durante o reinado de Eduardo VI.
Depois disso, o xelim circulou sob todos os monarcas reinantes, exceto Eduardo VIII. É interessante notar que o primeiro xelim da era do Reino Unido foi cunhado em 1816, mais de um século após o Ato da União.
O xelim era uma moeda de prata popular. No entanto, foi regularmente degradado pelo vandalismo e perdeu valor ao longo dos anos. O valor do xelim voltou a aumentar quando Elizabeth I retirou de circulação todas as moedas degradadas e as substituiu com moedas recém-cunhadas.
Os xelins circularam amplamente por muitos séculos. Para estimar o poder de compra do xelim, é preciso especificar o período de tempo em que a moeda foi usada.
- década de 1940
Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, um xelim poderia comprar itens domésticos comuns, como um pão ou uma barra de sabão. À medida que a economia sofria com a guerra, o custo dos bens básicos aumentava. Isso significava que, entre 1939 e o fim da guerra, o preço do leite havia subido de 3 para 9 pennies (quase um xelim) por litro.
- década de 1960
Na década de 1960, ainda se podia comprar um pão com um xelim; ou um corte de cabelo; ou abastecer seu carro com pouco menos de 1 litro de gasolina – que na época era vendida em galões.
- década de 1970
Na década de 70, um xelim podia pagar um telefonema de 3 minutos, um litro de leite entregue em sua casa pelo leiteiro – este com preço congelado pelo então socialismo inglês junto com outros itens essenciais, como pão ou jornais.
Florim – Florin

O ‘fiorino d’oro’ da República de Florença foi a primeira moeda de ouro europeia desde o século VII a ser cunhada em quantidade suficiente para desempenhar um papel comercial significativo.
O termo florim foi usado como empréstimo em outros lugares da Europa. Assim, houve um florim inglês emitido pela primeira vez em 1344 por Eduardo III. Era cunhado a partir de 108 grãos (6,99829 gramas) de ouro puro (‘fino’) e tinha o valor de seis xelins (equivalente a 30 pence pré-decimais). Conhecido como o “double leopard” (leopardo duplo), foi uma tentativa de Eduardo III de produzir moedas de ouro que pudessem ser usadas tanto na Europa continental quanto na Inglaterra.
Contemporaneamente, o florim britânico de dois xelins (2s) foi um experimento precoce no sentido da decimalização da moeda, com seu valor de 1/10 de uma libra, ou 24 pence. Foi emitido de 1849 a 1967, com uma emissão final para colecionadores em 1970. Foi a última moeda a ser desmonetizada antes da decimalização.
Meia coroa – Half crown

A meia coroa foi emitida pela primeira vez em 1549 durante o reinado de Eduardo VI. Eduardo VI foi rapidamente sucedido pela rainha Maria, mas nenhuma meia coroa foi produzida durante o reinado de Maria, entre 1553 e 1558. Elizabeth I assumiu o trono entre 1558 e 1603. Durante seu reinado e todos os reinados posteriores até 1970 – excluindo apenas Edward VIII – as meias coroas foram emitidas. Apenas em 1970 a meia coroa foi abolida, um ano antes da decimalização.
Nota de Dez Xelins – Ten Bob Note

A cédula de emergência.
Em agosto de 1914, a economia britânica estava em crise devido à instabilidade causada pela “neblina da guerra” no continente. Banqueiros e políticos procuravam desesperadamente maneiras de proteger as finanças da Grã-Bretanha e impedir que os bancos entrassem em colapso.
O Governo decidiu que deveria ser disponibilizada uma grande oferta de notas no valor de 10 xelins, facilitando ao público a realização de pequenas transações.
No entanto, o Banco da Inglaterra não foi capaz de preparar e imprimir o número necessário de notas com rapidez suficiente. O governo então tomou a medida sem precedentes de emitir as notas por conta própria.
Essas notas ficaram conhecidas como Notas do Tesouro e eram diferentes de tudo que o público britânico já tinha visto. Até este ponto, a nota de menor denominação era a de £ 5 – que naqueles dias era uma quantia tão grande que muitas pessoas nunca teriam visto ou usado a nota.
Ao emitir uma nota de 10 xelins, o Tesouro criou as primeiras notas de grande circulação na Inglaterra. A nota de 10 xelins – que equivalia a meia Libra – foi a menor denominação de nota já usada no Reino Unido e acabou sendo substituída modernamente pela moeda de 50 pence, que foi introduzida já em 1969, dois anos antes do decimal day.
Libra – Pound

Discorrer sobre a Libra neste ponto não faria sentido. Nada posso dizer que já não tenha sido dito, e obviamente não tenho nada original para dizer. Para aqueles que pretendem se aventurar no assunto eu digo que a pequena pesquisa que empreendi para este trabalho me mostrou que há muitas nuances, interpretações e fontes – muito poucas na língua portuguesa. Deixo um humilde link como sugestão de por onde começar.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Libra_esterlina
Posso dizer, no entanto, que a libra é [ou era] conhecida na gíria como Quid. Acredita-se que o termo tenha origem na expressão latina “quid pro quod”, que designa uma troca [“isto por aquilo”] — o que é perfeitamente adequado em se tratando de uma moeda. Foi chamada também de Soberano. Algumas denominações fracionárias da libra citadas neste trabalho já não existiam em 1971.
Guinéu – Guinea

O Guinéu foi introduzido pelo rei Carlos II em 1663, logo após a Restauração. Foi cunhado em ouro de 22 quilates importado pela primeira vez da Guiné na África Ocidental, daí o nome. Originalmente, a moeda da Guiné foi definida como valendo exatamente uma libra, ou 20 xelins. No entanto, o preço de mercado do ouro aumentou e, na década de 1680, as pessoas exigiam 22 xelins por guiné em vez dos 20 oficiais. Em 1700, o preço havia subido ainda mais, para 30 xelins, de modo que um guinéu valia efetivamente uma libra e meia – este é o problema de basear o valor de uma moeda em uma mercadoria negociável como o ouro: seu valor flutua com a oferta e a demanda.
Durante o início do século 18, o preço do ouro voltou a cair para os níveis de 1680. Em 1717, o rei George I fixou a taxa de câmbio entre moedas de ouro e prata por decreto, com valor de mercado de 21 xelins por guinéu.
Em outras palavras, depois de 1717 existiu uma moeda que valia uma libra mais um xelim (21 xelins, ou 252 pennies), mas nenhuma moeda valia exatamente uma libra. O soberano não estava em circulação no século XVIII: foi introduzido em 1817.
Como um guinéu valia 5% a mais do que uma libra, tornou-se um símbolo de status precificar itens de luxo, como roupas e joias, em guinéus, em vez de libras. Um oficial naval de classe média comprava seu uniforme por cinco libras; o alfaiate ao lado atendendo a um oficial mais aristocrático poderia vender o mesmo uniforme por cinco guinéus, porque seus clientes eram ricos o suficiente para ignorar a margem de 5% e gostavam de ostentar isso. Da mesma forma, um carpinteiro poderia cotar seus preços em libras, mas um advogado cotaria seus honorários em guinéus.
Referências
Les réformes monétaires carolingiennes
