Os Estados Unidos vacinaram mais da metade de seus adultos contra a Covid-19, mas ainda pode levar meses até que o país tenha vacinado um número suficiente de pessoas para colocar a imunidade coletiva ao alcance (enquanto grande parte do mundo ainda espera desesperadamente pelo acesso às vacinas).
Locais com taxas de vacinação crescentes, como os Estados Unidos, podem esperar que o número de casos caia muito nesse ínterim. E mais cedo do que se imagina. Isso ocorre porque os casos diminuem obedecendo ao princípio do decaimento exponencial.
Nota de B.M.: na realidade, curvas exponenciais são abstrações matemáticas. Não existem exponenciais de crescimento na natureza,em virtude do rápido esgotamento de recursos físicos que uma exponencial acarreta. Os fenômenos naturais obedecem a uma curva logística [crescimento >> crescimento explosivo >> platô]. A curva da China é uma curva logística não-explosiva.
Muitas pessoas aprenderam sobre crescimento exponencial nos primeiros dias da pandemia para entender como um pequeno número de casos pode rapidamente se transformar em um grande surto, à medida que as cadeias de transmissão se multiplicam. A Índia, por exemplo, que passa por uma grande crise de Covid-19, está em uma fase de crescimento exponencial.
O crescimento exponencial significa que o número de casos pode dobrar em um determinado período de tempo. O decaimento exponencial é seu oposto. Decaimento exponencial significa que os números de casos podem ser reduzidos pela metade no mesmo período de tempo.
Compreender a dinâmica exponencial torna mais fácil saber o que esperar na próxima fase da pandemia: por que as coisas vão melhorar rapidamente com o aumento das taxas de vacinação e por que é importante manter algumas precauções mesmo depois que o número de casos diminuir.
(*) A missão deste blog é trazer insights originais em língua portuguesa sobre Tecnologia/Ciência da Informação/Computação e ciências em geral. Contudo, diante da crise da COVID-19, sentimos que é nossa obrigação nos juntar às poucas vozes racionais e repercutir as marchas e contra-marchas da pesquisa científica desse patógeno, em oposição ao negacionismo desenfreado que toma conta de parte da opinião pública e de esferas governamentais. Conteúdos como este serão frequentes, enquanto durar esta emergência, que alguns classificam como “risco existencial” para a raça humana.
Nosso blog nasceu quase dois meses atrás com a proposta de trazer insights originais em língua portuguesa sobre Tecnologia/Ciência da Informação/Computação e ciências em geral. Contudo, diante da crise da COVID-19, sentimos que é nossa obrigação nos juntar às poucas vozes racionais e repercutir as marchas e contra-marchas da pesquisa científica desse patógeno, em oposição ao negacionismo desenfreado que toma conta de parte da opinião pública e de esferas governamentais. Conteúdos como este serão frequentes, enquanto durar esta emergência, que alguns classificam como “risco existencial” para a raça humana. Trazemos neste post o ponto de vista de Derek Lowe, publicado ontem por Science Magazine
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Hoje temos duas notas sobre a vacina “Sputnik-V” do Instituto Gamaleya da Rússia. Nenhuma delas vai ser agradável de comentar.
Em primeiro lugar, muitos devem ter ouvido que as autoridades reguladoras brasileiras tiveram uma audiência ontem para ver se essa vacina poderia ser aprovada para uso lá. Os brasileiros recusaram, por vários motivos. Entre esses estão questionamentos referentes aos processos de fabricação e ao aumento de escala da produção, que, devo dizer, não foram muito bem documentados para esta vacina. Os leitores talvez se lembrem dos relatórios da Eslováquia dando conta de que as autoridades de lá obtiveram o que parecia ser formulações completamente diferentes da vacina, sendo que todas haviam sido enviadas no mesmo lote. Então, realmente há algum espaço para esclarecimentos sobre como esses processos são controlados. Mas a grande notícia é que a Anvisa, a agência farmacêutica brasileira, disse que cada lote da injeção Ad5 Gamaleya das quais que eles analisaram parece ainda ter adenovírus competente para replicação (grifo do tradutor). Vamos parar por um segundo para apreciar o que isso significa, para os leitores não técnicos. Os próximos parágrafos são de background.
As vacinas vetoriais de adenovírus (Astra-Zeneca, Oxford, Jansen, Gamaleya, CanSino) são feitas removendo a maioria das instruções de DNA do adenovírus e inserindo no lugar o DNA para produzir antígenos de coronavírus. A Oxford usa um adenovírus de chimpanzé; a Jansen tem usado a cepa de adenovirus Ad26; CanSino tem o adenovírus Ad5 e a vacina Gamaleya é uma injeção de Ad26 seguida por uma segunda injeção de Ad5.
Proteinas são “atraídas” para se conectar com as espículas do coronavirus, desabilitando-o.
Embora diferentes, todas essas vacinas carregam o DNA necessário para fazer a proteína das espículas do coronavírus (algumas delas com o DNA em seu estado nativo, outras com mutações de aminoácidos estabilizadores). E todas essas cepas tiveram as partes essenciais de seu genoma original removidas para torná-las incapazes de se replicar no corpo humano (deletar um gene chamado E1 é a maneira padrão de fazer isso).
Isso significa que, quando você é injetado com essa vacina vetorial, cada partícula viral é ativada. Ela infecta uma célula em seu corpo e a instrui a fabricar a proteína da espícula (desencadeando assim a resposta imunológica quando essa proteína estranha for detectada). Basicamente, esse é todo o processo. Um vírus selvagem real fabricaria toda uma suíte de proteínas virais, que seriam agregadas a inúmeras novas partículas de vírus. Eles seriam então liberados quando a célula finalmente se enchesse de tantos vírus e se rompesse devido à sobrecarga.
Tem sido objeto de discussão, ao longo dos anos, se a imunização com adenovirus “competente para replicação”, como descrito acima, seria uma vacina eficaz, ou se estamos bem servidos com os adenovirus “incompetentes para replicação”, que sabemos são seguros e evitam o risco de uma infecção pela vacina..
À esquerda o adenovirus ainda capaz de replicação; À direita o vírus atenuado, incapaz de se replicar.
Os adenovírus estão em toda parte. O que acontece quando você se infecta com uma variedade do tipo selvagem? Geralmente você pega infecções respiratórias – que variam de pessoa para pessoa. Com os adenovirus Ad5 e Ad26 essas infecções são geralmente leves, às vezes imperceptíveis, mas em algumas pessoas pode haver problemas sérios, o que é outro motivo para evitar dar às pessoas vírus com capacidade de replicação. A variedade Ad5 já infectou uma grande proporção de toda a raça humana ao longo dos milênios, o que é uma das razões pelas quais os pesquisadores preferem plataformas menos comuns, como o Ad26, ou se voltam para adenovírus de outras espécies de primatas (como a Oxford e a Astra-Zeneca). Acredita-se que, se você tiver anticorpos e células T já preparadas contra o vetor Ad5 (por exemplo), a absorção de sua carga vacinal será prejudicada, levando a uma imunização menos eficaz.
Isso também levanta questionamentos sobre a) a diminuição da eficácia nos regimes de injeção de reforço – não importando com qual cepa você comece – e b) o que acontece se você tiver que ser vacinado alguns anos mais tarde contra um patógeno completamente diferente, cuja vacina usa um vetor viral ao qual você já foi exposto. Por enquanto, parece que a ideia da injeção de reforço pode funcionar, embora a segunda injeção certamente seja mais prejudicada pela resposta imunológica. A segunda preocupação ainda é uma questão em aberto, pelo que sei. Presumivelmente, ambas seriam preocupações ainda maiores se a vacina usar DNA capaz de replicação, porque então você estaria atingindo os pacientes com um desafio viral ainda mais forte.
Ler o artigo completo na Science Magazine (in English, of course)
A intenção primeira deste espaço é ser um fórum de discussões; não é trazer novidades. Mas é claro que, se a novidade acontecer, não vamos chorar por isso. Tivemos a primazia de trazer o lançamento da linha elétrica da Toyota [na verdade acompanhados apenas por uma revista especializada], dias atrás. Agora, prisioneiro da COVID que sou, e infeliz Don Quijote lutando contra os moinhos de vento do negacionismo, não deixa de me trazer satisfação a notícia que entrou em nosso radar na manhã de hoje.
Em dois edifícios anônimos da Pfizer, um nos EUA e outro na Bélgica, um experimento notável está em andamento. Cerca de 60 voluntários, todos adultos “de vida limpa”, entre 18 e 60, estão sendo medicados com a primeira pílula especificamente projetada para parar a Covid-19.
Se o experimento for bem sucedido, é possível que uma cura caseira para a Covid-19 se torne disponível no final deste ano. O Primeiro Ministro do Reino Unido, Boris Johnson, que anunciou na semana passada a formação da “Força Tarefa dos Antivirais” especificamente para investir em produtos como esse, sem dúvida vai ficar de olho em suas suas mensagens de texto, para atualizações ansiosamente aguardadas sobre o projeto.
A molécula que está sendo testada é um código antiviral manufaturado sob medida – chamado PF-07321332. Classificado como um “inibidor de protease”, foi formulado para atacar a “coluna dorsal” do vírus SARS-Cov-2 e impedí-lo de se replicar em nosso nariz, garganta e pulmão. Foram os inibidores da protease que viraram a maré durante a propagação desenfreada do HIV no Reino Unido e ao redor do mundo. Agora os pesquisadores esperam que possam estar à beira de um avanço anti-pandêmico semelhante.
Assim como Boris Johnson, estaremos colados nos monitores à espera de mais informação sobre essa notícia alvissareira. Stay tuned.
Sou um entusiasta dos blogs (hello!) e fórums de discussão [Bulletin Boards]. Considero-os o verdadeiro repositório da informação de qualidade na Web. Os malefícios das redes sociais são recorrentes nos meus textos, sempre exortando as pessoas à expressão de seus próprios pensamentos fora das câmaras de eco das redes. Pioneiro da Web que sou, nada me é tão deprimente quanto o sufocamento da cultura dos blogs causado pelos facebooks da vida. Felizmente os verdadeiros blogs ainda pulsam com algum vigor alhures. Entre as ilhas de excelência na melancólica Web do século 21 está o blog de Bruce Schneier, eminente e influente especialista em segurança. O blog pode ser descrito como uma congregação de mentes brilhantes que discorrem com fluência e profundidade sobre segurança, privacidade e ciência da computação em geral.
Às sextas-feiras Schneier permite um ambiente mais relaxado [em seu Friday Squid Blog], em que temas mais gerais são discutidos. Durante o último ano e até agora, como não poderia ser diferente, a Covid-19 tem sido ali tema de grandes discussões, com insights instigantes sobre a natureza, curso e perspectivas para a doença. Dentre os membros do blog, o incrível Clive Robinson, que nos brinda com o texto de hoje, traz sempre uma perspectiva inteligente, sob um prisma muitas vezes original, sempre surpreendente e informativo. Às vezes também aterrador, como o futuro possível descrito neste post – que Clive gentilmente nos autoriza a reproduzir. Em minha opinião, os brasileiros precisam levar a ameaça a sério, e pensar profundamente sobre o que ela representa. A elocubração de Clive nos fornece mais um tanto de munição, na luta pela iluminação dos espíritos. Enjoy.
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A respeito de :
“Imunidade de rebanho por vacinação / recuperação será alcançada no Reino Unido em 9 de abril de 2021.”
Eu moro no Reino Unido, e tenho várias doenças crônicas que me tornam “especial”, de acordo com o governo daqui, e tenho o atestado para provar… Eu colocaria esse atestado pendurado na parede em uma moldura, se eu tivesse permissão para sair e comprá-la – isso seria contravenção das “regras de bloqueio necessárias” que estão atualmente em prática …
Então, eu rolaria no chão de tanto rir dessa afirmação estúpida, se não fosse tão terrivelmente triste, de que não apenas muitas pessoas ainda sendo infectadas diariamente, mas que outras, infectadas cerca de um mês ou mais atrás, estão morrendo.
Essas mortes não estão mais nos acima de 70 anos; elas estão agora nos acima de 40, e se a [variante] Brasil P1 colocar um dedão [na Grã-Bretanha], como tem na Europa [continental], em breve serão os acima de 25.
O nível de prevalência é tal que a taxa de mutação é maior que a taxa de imunização… Em outras palavras, embora o Reino Unido tenha começado [a vacinar] muito mais cedo do que outras nações, nós estamos perdendo a corrida.
“Jabs nos braços e novas cepas nos pulmões”.
Quer dizer, o vírus de nenhuma maneira vai se tornar menos virulento com o tempo… O que diabos está acontecendo na Europa, onde a “desarmonia” na vacinação parece insuperável nas frentes politica, médica e econômica, eu não tenho ideia, mas não pode ser bom.
Eu ouço que a Brasil P1 foi encontrada na Europa… também foi encontrada na Índia, que às vezes é chamada de “farmácia do mundo” em alusão às drogas que faz. Bem, eles sabem que estão perdendo a corrida da imunização, e é por isso que eu espero que eles de fato ajam de acordo com a sua declaração, já há um ano, de que “as drogas da Índia são para a Índia”, e que as vacinas que eles têm fabricado, com problemas localizados de produção, podem não ser enviadas ao exterior, mas acabar em braços indianos. Para ser honesto, quem realmente pode culpá-los?
Voltaremos à agricultura de subsistência?
Quanto à “política de imunidade de rebanho”, sabíamos que seria um fracasso, como a Suécia, e agora o Brasil, provaram além de qualquer dúvida. Ainda assim alguns continuam com essa estória por várias razões… Quanto à “imunidade de rebanho natural” (Natural Herd Immunity – NHI), a resposta evolucionária para baixo na virulência, absolutamente essencial [para explicar a hipótese], obviamente não está acontecendo, devido à natureza do ciclo de infecção, portanto nada de NHI.
Pior, agora você pode ter um “double tap“[1], com uma mutação te infectando não apenas uma segunda vez, mas muito mais severamente na segunda vez, como o Brasil demonstrou. Ainda pior, mudando também as faixas etárias afetadas, além das vacinas…
Bem, ao contrário dos outros que acham que Covid estará aqui para sempre, e eu estive alertando o mesmo há quase um ano… Agora estou começando a considerar em meus momentos mais sombrios que a doença realmente não vai durar, porque nós vamos perder a corrida. Isto é, a menos que seres humanos suficientes nasçam com imunidade natural, é uma jornada ladeira abaixo para a humanidade.
A humanidade vivendo em bolsões…
Primeiro haverá uma queda substancial na idade média de morte, que irá provavelmente acabar abaixo de 45 anos no mundo ocidental e talvez 20 em áreas do terceiro mundo. Assim, a taxa de natalidade cairá significativamente, tornando o sistema de saúde algo quase impossível dentro de uma geração ou duas. A taxa de mortalidade viral, por sua vez, aumentará ainda mais.
Se a imunidade inata, ou natural, não acontecer, a humanidade cairá de volta para os números que supostamente eram atingidos sempre que grandes catástrofes planetárias aconteciam. Haverá bolsões [humanos] em lugares isolados onde o vírus não conseguir se estabelecer. Só então o virus vai se extinguir, antes dos humanos, mas não muito antes…
Claro que seria relativamente simples evitar que isso aconteça… Você só teria que ser absolutamente implacável sobre a área a ser isolada. Com efeito, um “atirar para matar” ou uma política semelhante, para as pessoas que tentassem cruzar fronteiras ilegalmente, e restrições tão severas que as fronteiras seriam efetivamente fechadas. O comércio continuaria a atravessar fronteiras, automatizado, mas os humanos não: se chegar aqui, você fica no mar, contra o vento e dá meia-volta sem entrar. As mercadorias seriam higienizadas de maneiras que já falei no passado.
Você pode apostar seus trocados que tal medida já está sendo considerada / falada em países como Nova Zelândia e Austrália. Eles descobriram da maneira mais dolorosa que a quarentena na entrada ao país nunca será confiável, especialmente à medida que o vírus se torna mais virulento e a patogenicidade aumenta.
Na Europa, sabemos por amarga experiência e muitas mortes, quão difícil é manter fora as pessoas que acham que não têm nada a perder e tudo a ganhar tentando atravessar uma fronteira. Isso é um risco 50/50 de morte ou lesão grave debilitante para eles; um risco mais do que aceitável para conseguir o que eles vêem como uma vida melhor (os saltadores de trem do túnel do Canal de Sangat, barcos da morte no mediterrâneo, etc). Alguns dizem que com uma disposição mental assim a única maneira de impedi-los é o “pare o cabra à bala” e isso muito antes de as mutações da Covid-19 aumentarem o risco da entrada ilegal para “potencialmente fatal” para toda a população da região.
Então, temos que ganhar a imunidade, não apenas no ocidente, mas em todos os lugares, antes que a mutação ganhe o mundo. Mas a estúpida política e os egoístas privilegiados, como hoje é tão comum, tornarão uma situação ruim ainda muito pior, só porque eles podem…
[1] A expressão “double tap” descreve a técnica de disparar dois tiros em rápida sequencia para desativar um adversário.
A disseminação descontrolada das variantes mais contagiosas de coronavírus no Brasil parece ter criado versões ainda mais perigosas do vírus que causa a Covid-19. Uma equipe de pesquisadores da Fiocruz documentou as mudanças. Suas descobertas foram registradas em uma pré-impressão no site virological.org, antes da revisão pelos pares. Apresentamos abaixo o resumo em português.
Resumo
Mutações tanto no domínio de ligação ao receptor (RBD) quanto no domínio amino (n) -terminal (NTD) da(s) glicoproteína(s) das espículas do SARS-Cov-2, podem alterar sua antigenicidade e promover o escape da imunidade. Identificamos que as linhagens da SARS-Cov-2, circulando no Brasil com mutações preocupantes no RBD, adquiriram exclusões e inserções convergentes no NTD da proteína S, o que alterou o antígeno NTD-superlocal e outros epítopos previstos para esta região. Esses achados suportam a afirmação de que a transmissão generalizada em andamento da SARS-Cov-2 no Brasil está gerando novas linhagens virais que podem ser mais resistentes à neutralização do que as variantes parentais de preocupação.
(*)Esta é uma pesquisa da Fiocruz. Por alguma razão celestial ela foi publicada em inglês antes desta maltratada língua pátria. Coisas da Torre de Marfim; dos desígnios acadêmicos narcisísticos aqui da Banânia. De qualquer forma, presto um serviço público não-remunerado ao trazer o assunto à atenção do público brasileiro, em língua portuguesa, através deste blog. Talvez um dia Deus me pague [yeah, sure… :rollseyes]