A Miséria da Internet em 2022

Há muito tempo deixei de gostar dessa coisa absurda que internet se tornou. Posso talvez não ser o único, embora eu não encontre meus iguais nestas terras torturadas.

Imagem: Pexels

Mas, para além da desilusão, ainda gosto muito do meu trabalho em computação [agora em tempos de recomeço!]. Gosto de projetar e me deixar absorver pelos detalhes dos sistemas, hora a hora, minuto a minuto, e deixar as preocupações da vida de lado; gosto de pesquisar defeitos e descobrir o que está acontecendo de errado; gosto de aprender coisas novas; eu gosto muito dos insights sobre dados proporcionados por tecnologias como Python. Gosto até mesmo de web design, algumas vezes.

Mas aqui está a minha verdade: em algum lugar ao longo do caminho, eu perdi totalmente o interesse por essa web que as outras pessoas consomem, e principalmente pelas abjetas redes sociais.

Em 2022 eu: não assisto a vídeos em computadores; não ouço podcasts; não tenho o sócio-linfoma [o câncer mental induzido pelas redes anti-sociais]; não tenho Netflix nem Spotify; não uso Uber; não tenho nem quero uma Alexa [e tenho raiva de quem tem]; não quero meus interruptores de luz conectados à internet; nem minha geladeira; nem meu fogão; nem realmente qualquer coisa, exceto meu(s) computador(es).

As tecnologias que fazem a alegria dos corintianos e flamenguistas; que os fazem se sentir importantes e “acolhidos”; que dão aos idiotas fama e um desproporcional poder de fogo; que sequestram a capacidade crítica dos Josés e das Marias… essas coisas para mim não têm nenhuma graça. De fato as considero nefastas, considerando que não são, como outrora, tecnologias libertadoras.

A tecnologia de rede se tornou absolutamente desumana quando, por volta de 2003, passou a servir cada vez mais os interesses das oligarquias e dos governos ao se degradar em vigilância e controle mental das massas. Não é mais divertido. Não é bonito [a fealdade das pessoas e das coisas parece ser outra marca definitiva do século 21]. Não vou colaborar com esse sistema.

Computadores – incluindo celulares, tablets, o que for – não são meu “hobby”. Não paro de trabalhar e vou jogar na internet “para me distrair”. Eu geralmente paro de trabalhar e quero fazer algo que não envolva a internet. Eu gosto de ler. Eu gosto de ouvir Miles Davis. Gosto de comer fora, em restaurantes, à moda antiga. Eu gosto de dirigir meu carro e ir a lugares.

Um dos meus principais critérios para comprar coisas é se elas funcionam sem uma conexão de rede. Fora do trabalho eu uso computadores para… bem, ler coisas. Ou seja, realmente ler. Texto. Fotos também, se for preciso. Eu os uso para mergulhar em temas profundos e tentar ver além do que a visão me mostra.

Não é mais 1998. Não é o ano do “Linux no desktop” – nunca haverá o ano do Linux no desktop. Sequer será o ano do desktop. Hoje em dia computar é simplesmente o que eu faço. Porque é o que eu faço.

Minha história

Aprendi a programar Basic em um CP-300 (48k de RAM!) – um lixo gestado durante a infame reserva de mercado para computadores nacionais, da desditosa ditadura militar [que a malta inculta quer reviver, agora sob a liderança idiocrática do palhaço Javoltar Barrigonaro]. Passei por alguns sistemas menos limitados de 8 bits e aprendi FORTRAN alguns anos depois.

Depois trabalhei em uma companhia multinacional, onde lidar com computadores não era minha atividade-fim. Em 1999 eu finalmente consegui penetrar nos mistérios do Linux [SUSE, se me lembro]. De repente eu não precisava mais programar sozinho. Qualquer coisa era de código aberto. Eu apenas dava uma espiada no código- fonte, mudava alguma coisa e recompilava em algo novo. Aquilo era a vida!

Fiquei encantado com alguns desenvolvimentos realmente engenhosos. Adorei como a computação pareceu mais completa depois disso – pode ter sido minha imaginação, mas foi o que senti. Eu ainda era principalmente um usuário, mas senti que estava no controle e entendi muito bem o que estava por baixo do capô. E se não entendesse, eu sempre soube onde procurar a iluminação – e sempre havia um blog com a iluminação.

Muitos anos depois, já na primeira década do século, já empresário do ramo, eu realmente continuava a me aprofundar. Chegava a Web 2.0 e eu não percebi na época que eu era um dos últimos dinossauros. A excelência do código aberto começava a perder terreno para as plataformas “na nuvem”, baseadas em código proprietário e uso intensivo de dados capturados dos usuários – que mais tarde dariam origem ao atual sistema vicioso e predatório do capitalismo de vigilância.

Hoje quase nenhum usuário sabe como a tecnologia funciona. Quinze anos atrás ainda sabíamos apreciar a arte de uma applet Java, de uma library ou mesmo de um framework. Mas hoje quase ninguém mais. Tudo o que consumimos são produtos ruins com um pequeno ciclo de atualização antes que a obsolescência planejada entre em ação e você tenha que comprar a versão mais recente – e o melhor hardware – novamente. O software é na maioria das vezes escrito por algum chimpanzé que encara a programação apenas como um trabalho e acha que quanto mais linhas de código escrever melhor ele vai ficar com seu supervisor [que via de regra não é muito melhor que ele]. Existem exceções, mas esse é o balanço das coisas.

Marketing em lugar da Engenharia

Os departamentos de marketing [sociopatas de fala mansa, como Steve Jobs] substituíram a engenharia [pesquise “the curse of Boeing”] no controle do que chega ao mercado, e tudo indica que não vão abrir mão desse controle. Os técnicos cederam à pressão do time-to-market. Isso vale para qualquer smartphone, qualquer receptor, qualquer roteador. Muitos até rodam Linux, mas mesmo assim a maioria ainda é muito ruim. Mesmo o acesso básico à Internet hoje vem com termos de serviço com os quais realmente ninguém com uma mente sã poderia concordar.

Acho que o que desempenha um papel importante na falta de entusiasmo tecnológico atual [além do analfabetismo funcional de toda a sociedade, incluindo a sedizente “elite”] é que, em 1998, a perspectiva de uma rede livre rodando software livre em computadores cada vez mais poderosos nos os quais podíamos mexer, alterar, estender, etc, prometia um futuro lindo pela frente. Eu adorava estar a viver [uma saudação aos irmãos de Angola e da lusofonia!] nos míticos anos 2000.

Vinte anos se passaram, e que o que temos em vez da utopia tecnológica que produziria cientistas-filósofos é a desgraça deprimente das redes sociais, que transformou grande parte da humanidade em zumbis consumidores, depravados, alienados, incivilizados e animalescos. Os Mestres do Universo – banqueiros, nababos da mídia, ONG’s com relações incestuosas com o poder, capitalistas da vigilância e outros parasitas – se divertem ao ver a massa cada vez mais dócil, fotografando e compartilhando seu caminho rumo à obliteração. A vida feliz das ovelhas a caminho do abatedouro.

Eu queria não ter tomado a pílula vermelha.


(*) Tentei buscar referências sobre a reserva de mercado para computadores no Brasil da década de setenta e não encontrei. Isso comprova meu ponto sobre a futilidade, o atraso e o inaceitável baixo nível intelectual da Internet em português. Culpa do referido sócio-linfoma.

2 comentários sobre “A Miséria da Internet em 2022

  1. oi, tudo bem? caí aqui via indieblog.page e eu concordo com várias coisas ditas aqui mas também discordo de tantas outras. Particularmente me incomoda essa abordagem um tanto quanto moralista sobre o uso de redes sociais — também detesto redes sociais, mas quem sou eu para julgar quem as utiliza?

    de todo modo, fica a pergunta: se a web está tão inevitavelmente perdida hoje, porque manter esse blog? E a pergunta não é uma provocação, mas um indicativo de que ainda há o que fazer por aqui

    e para mostrar que ainda há muito de interessante nessa web dos anos 2010, há um bom material sobre a reserva de mercado de informática no Brasil no podcast Primeiro contato. Vale dar uma ouvida.

    Curtido por 1 pessoa

    1. Olá Gabriel. Obrigado pelo comentário e me desculpe a demora.

      Caro, meu problema com as redes sociais é o fato de elas serem as executoras do Capitalismo de Vigilância [note que não há nada a ver com esquerdismos aqui]. Já escrevi extensivamente aqui, refletindo as preocupações mundiais sobre o tema, preocupaçoes que compartilho. Veja aqui mais críticas:

      https://voxleone.com/?s=redes+sociais

      Aquele abraço, saúde sempre!

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