A Crise das Redes: Como Administrar o Comportamento Coletivo Global

Abrimos esta semana apresentando em português o necessário estudo “Administração do Comportamento Coletivo Global”, sobre o que eu pessoalmente que caracterizo como a Crise das Rede Sociais. A sociedade humana nunca teve que lidar com entidades tão potentes, com tão grande potencial desagregador, tão desconhecidas e tão incompreendidas. Estamos em um momento-chave da civilização, e o que fizermos nesta década definirá o caminho da espécie humana por séculos.

A ‘Economia da Atenção’ tem facilitado comportamentos extremos e provocado rupturas políticas e culturais. Sua influência na opinião pública exibe uma escala sem precedentes na evolução da civilização. Imagem: iStock

O comportamento coletivo fornece uma estrutura para a compreensão de como as ações e propriedades dos grupos emergem da maneira como os indivíduos geram e compartilham informações. Em humanos, os fluxos de informação foram inicialmente moldados pela seleção natural, mas são cada vez mais estruturados por tecnologias de comunicação emergentes. Nossas redes sociais maiores e mais complexas agora movimentam informações de alta fidelidade através de grandes distâncias a baixo custo. A era digital e a ascensão das mídias sociais aceleraram as mudanças em nossos sistemas sociais, com consequências funcionais mal compreendidas. Essa lacuna em nosso conhecimento representa o principal desafio para o progresso científico, para a democracia e para as ações para enfrentar as crises globais. Argumentamos que o estudo do comportamento coletivo deve ser elevado a uma “disciplina de crise”, assim como a medicina, a conservação e a ciência do clima, e ter foco em fornecer uma visão prática para a administração dos sistemas sociais destinada aos formuladores de políticas públicas bem como os reguladores.

O comportamento coletivo historicamente se refere às instâncias em que grupos de humanos ou animais exibem ação coordenada na ausência de um líder óbvio: de bilhões de gafanhotos, estendendo-se por centenas de quilômetros, devorando a vegetação à medida que avançam; de cardumes de peixes convulsionando como um fluido animado quando sob ataque de predadores às nossas próprias sociedades, caracterizadas por cidades, com edifícios e ruas cheias de cor e som, vivas de atividade. A característica comum de todos esses sistemas é que as interações sociais entre os organismos individuais dão origem a padrões e estruturas em níveis mais elevados de organização, desde a formação de vastos grupos nômades até o surgimento de sociedades baseadas na divisão de trabalho, normas sociais, opiniões, e dinâmica de preços.

Nas últimas décadas, o “comportamento coletivo” evoluiu de uma descrição de fenômenos gerais para uma estrutura conduciva à compreensão dos mecanismos pelos quais a ação coletiva emerge (3⇓⇓⇓-7). Ele revela como as propriedades de “ordem superior” das estruturas coletivas em grande escala, se retroalimentam para influenciar o comportamento individual, que por sua vez pode influenciar o comportamento do coletivo, e assim por diante. O comportamento coletivo, portanto, se concentra no estudo de indivíduos no contexto de como eles influenciam e são influenciados pelos outros, levando em consideração as causas e consequências das diferenças interindividuais em fisiologia, motivação, experiência, objetivos e outras propriedades.

Imagem: iStock

As interações multiescala e o feedback que fundamentam o comportamento coletivo são marcas definidoras de “sistemas complexos” – que incluem nosso cérebro, redes de energia, mercados financeiros e o mundo natural. Quando perturbados, os sistemas complexos tendem a exibir uma resiliência finita seguida por mudanças catastróficas, repentinas e muitas vezes irreversíveis na sua funcionalidade. Em uma ampla gama de sistemas complexos, a pesquisa destacou como a perturbação antropogênica – tecnologia, extração de recursos e crescimento populacional – é uma fonte crescente, se não dominante, de risco sistêmico. No entanto, a pesquisa científica sobre como os sistemas complexos são afetados pela tecnologia humana e pelo crescimento populacional tem se concentrado mais intensamente nas ameaças que eles representam para o mundo natural.

Temos uma compreensão muito mais pobre das consequências funcionais das recentes mudanças em grande escala no comportamento humano coletivo e na tomada de decisões. Nossas adaptações sociais evoluíram no contexto de pequenos grupos de caçadores-coletores resolvendo problemas locais por meio de vocalizações e gestos. Em contraste, agora enfrentamos desafios globais complexos, de pandemias a mudanças climáticas – e nos comunicamos em redes dispersas conectadas por tecnologias digitais, como smartphones e mídias sociais.

Com ligações cada vez mais fortes entre os processos ecológicos e sociológicos, evitar a catástrofe a médio prazo (por exemplo, coronavírus) e a longo prazo (por exemplo, mudança climática, segurança alimentar) exigirá respostas comportamentais coletivas rápidas e eficazes – ainda não se sabe se a dinâmica social humana permitirá tais respostas.

Além das ameaças ecológicas e climáticas existenciais, a dinâmica social humana apresenta outros desafios ao bem-estar individual e coletivo, como recusa de vacinas, adulteração de eleições, doenças, extremismo violento, fome, racismo e guerra.

Nenhuma das mudanças evolutivas ou tecnológicas em nossos sistemas sociais ocorreu com o propósito expresso de promover a sustentabilidade global ou a qualidade de vida. Tecnologias recentes e emergentes, como mídia social online, não são exceção – tanto a estrutura de nossas redes sociais quanto os padrões de fluxo de informações por meio delas são direcionados por decisões de engenharia feitas para maximizar a lucratividade. Essas mudanças são drásticas, opacas, efetivamente não regulamentadas e de grande escala.

Disciplina de Crise

As consequências funcionais emergentes são desconhecidas. Não temos a estrutura científica necessária para responder até mesmo às questões mais básicas que as empresas de tecnologia e seus reguladores enfrentam. Por exemplo, será que um determinado algoritmo para recomendar amigos – ou um para selecionar itens de notícias a serem exibidos – promove ou impede a disseminação de desinformação online? Não temos um corpo de literatura embasado teoricamente e verificado empiricamente para informar uma resposta a tal pergunta. Na falta de uma estrutura desenvolvida, as empresas de tecnologia se atrapalharam com a pandemia de coronavírus em curso, incapazes de conter a “infodemia” de desinformação que impede a aceitação pública de medidas de controle, como máscaras e testes generalizados.

Em resposta, os reguladores e o público têm insistido nos pedidos de reforma do nosso ecossistema de mídia social, com demandas que vão desde maior transparência e controles de usuário até responsabilidade legal e propriedade pública. O debate básico é antigo: os processos comportamentais em grande escala são autossustentáveis ​​e autocorretivos, ou requerem gerenciamento e orientação ativos para promover o bem-estar sustentável e equitativo? Historicamente, essas questões sempre foram tratadas em termos filosóficos ou normativos. Aqui, construímos nossa compreensão dos sistemas complexos perturbados para argumentar que não se pode esperar que a dinâmica social humana produza soluções para questões globais ou promova o bem-estar humano sem uma política baseada em evidências e administração ética.

A situação é paralela aos desafios enfrentados na biologia da conservação e na ciência do clima, onde indústrias insuficientemente regulamentadas otimizam os seus lucros enquanto minam a estabilidade dos sistemas ecológicos. Tal comportamento criou a necessidade de uma política urgente baseada em evidências, na falta de uma compreensão completa da dinâmica subjacente dos sistemas (por exemplo, ecologia e geociências). Essas características levaram Michael Soulé a descrever a biologia da conservação como o contraponto da “disciplina de crise” à ecologia. As disciplinas de crise são distintas de outras áreas de pesquisa urgente baseada em evidências em sua necessidade de considerar a degradação de todo um sistema complexo – sem uma descrição completa da dinâmica do sistema. Sentimos que o estudo do comportamento humano coletivo deve se tornar a resposta da disciplina de crise às mudanças em nossa dinâmica social.

Como o comportamento humano coletivo é o resultado de processos que abrangem escalas temporais, geográficas e organizacionais, abordar o impacto da tecnologia emergente no comportamento global exigirá uma abordagem transdisciplinar e um colaboração sem precedentes entre cientistas em uma ampla gama de disciplinas acadêmicas. À medida que nossas sociedades são cada vez mais instanciadas na forma digital, abstrações de processos sociais – as redes são um exemplo proeminente – tornam-se partes muito reais da vida diária. Essas mudanças apresentam novos desafios, bem como oportunidades, para avaliação e intervenção. Disciplinas dentro e fora das ciências sociais têm acesso a técnicas e formas de pensar que expandem nossa capacidade de entender e responder aos efeitos da tecnologia de comunicação. Acreditamos que tal colaboração é urgentemente necessária.

Ler artigo original na íntegra:

Stewardship of Global Collective Behavior

Joseph B. Bak-Coleman, Mark Alfano, Wolfram Barfuss, Carl T. Bergstrom, Miguel A.
Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America

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