Será a modernidade compatível com os limites do planeta?
Em termos simples, as pessoas querem (e são encorajadas a querer) bens e serviços além de suas necessidades básicas, e os mercados ficam felizes em atender.

Uma receita comum para os países alcançarem altos padrões de vida tem sido a combinação de democracia e capitalismo. Na maioria das vezes, as pessoas votam em políticas que prometem melhorar suas circunstâncias, e as corporações tomam decisões visando maximizar os lucros/crescimento. Políticos e financistas comemoram números de crescimento forte (resmungando apenas quando um mercado superaquecido pode sinalizar inflação descontrolada), enquanto lamentam trimestres fracos e praticamente entram em pânico com a perspectiva de um período recessivo.
Hoje, o sistema econômico capitalista financeirizado que domina a atividade humana baseia-se no crescimento econômico constante e na expectativa de um futuro maior, testemunhado em taxas de juros, empréstimos, investimentos, dívidas públicas e privadas maciças e o papel descomunal do sistema bancário. O crescimento é considerado um bem tão indiscutível que o Objetivo nº 8 de Desenvolvimento Sustentável em 2015, da ONU, na verdade exige taxas de crescimento de 7% nos países menos desenvolvidos. Embora esse número seja um alvo a ser alcançado para a diminuição da distribuição desigual da riqueza entre as nações, como sempre a meta ainda é baseada na velha economia movida a combustíveis fósseis.

A contradição embutida no sistema não cede. O crescimento, tanto material quanto econômico, simplesmente não pode continuar indefinidamente em um planeta finito. Economistas – baseados apenas em um curto período de evidência empírica – argumentam que a substituição e a dissociação [não encontro referências em português] são mecanismos que podem permitir um crescimento indefinido, se utilizados. Muitos exemplos do passado reforçam tais argumentos.
Contudo, a evidência que temos não sustenta a ideia de que o funcionamento básico da economia moderna pode acontecer sem um fluxo maciço de material e energia. Na prática, os ganhos de eficiência são amplamente zerados por qualquer crescimento adicional. Lembre-se de que todos os exemplos de progressos passados da era industrial ocorreram no contexto da exploração insustentável de recursos finitos. O futuro não precisa se parecer com o passado recente – na verdade, impactos irreversíveis acumulados significam que ele já não pode mais parecer.
Considere a história do uso de energia nos Estados Unidos nos últimos duzentos anos. A tendência segue de perto uma taxa de crescimento constante de aproximadamente 2,4% ao ano para todo este período, correspondendo convenientemente a um aumento de aproximadamente um fator de 10 a cada século. Aplicando essa taxa à taxa de produção de energia global de hoje – de 18 TW – sugere que o uso de energia da humanidade excederia a produção de todo o Sol em 1300 anos e todas as 100 bilhões de estrelas na Via Láctea em 2400 anos. Continuar com esse crescimento anual de produção de energia claramente não é possível por muito tempo em escalas de tempo relevantes para a civilização.
Pensando de outra forma, os processos de energia na Terra produzem calor que deve ser irradiado para o espaço – o único canal de resfriamento significativo. Não importa qual seja a tecnologia – mesmo permitindo recursos energéticos hipotéticos e não descobertos – a Lei de Stefan-Boltzmann na física prescreve a temperatura de equilíbrio da superfície do planeta em função da energia produzida.
Com um aumento anual contínuo de 2,4% na produção de energia, a superfície da Terra atinge temperaturas de ebulição em cerca de 400 anos e atinge a temperatura da superfície do Sol em 1000 anos. Esses números – que superam o efeito do aquecimento global impulsionado pelo CO2 – são claramente absurdos, acabando com qualquer noção de que o crescimento de energia experimentado nas últimas centenas de anos possa continuar em ritmo acelerado por outras centenas.

Mas por que a cessação do crescimento do consumo de energia deveria significar o fim do crescimento econômico? Afinal, nem toda atividade econômica é intensiva em energia (a ideia de dissociação, como observado acima). Mas algumas atividades sempre consumirão muita energia: água fervente e outras tarefas térmicas; fertilização e colheita de alimentos; processos de fundição de alumínio e outros materiais; e transporte de pessoas e mercadorias.
Muitos deles são itens básicos não negociáveis da atividade humana e serão limitados em escala máxima pelos fatos elencados nos últimos três parágrafos. Por sua vez, a fração da economia “dissociada” – bens/serviços de valor intangível ou estético, por exemplo – deve permanecer modesta, para que os elementos essenciais de sobrevivência não sejam relegados a uma fração insignificante (portanto arbitrariamente barata) do cenário econômico
A cultura humana – os valores, crenças e atitudes das pessoas – está complexamente entrelaçada nessas transições impulsionadas pela energia.
(*) Esta é a minha tradução da Parte 4 – The Growth Collision – do espetacular artigo Modernity is incompatible with planetary limits: Developing a PLAN for the future (Novembro, 2021), que trago aqui invocando “fair use”, e que pode ser lido na íntegra [em inglês] neste link permanente:
https://doi.org/10.1016/j.erss.2021.102239
Segundo depreendo da leitura do artigo, mesmo com o uso de tecnologias limpas o planeta se aqueceria em resposta às atividades humanas, como decorrência natural da citada lei de Stefan-Boltzmann, e apenas ela. Para que haja equilíbrio o calor gerado pela energia produzida deve escapar para o espaço na totalidade. A simples presença de uma atmosfera já garante a retenção do calor que deveria ser irradiado, levando inevitavelmente a um aquecimento global. As leis da física não oferecem solução para o nosso tipo de progresso.
O que os autores propõem, aparentemente, não é nada menos do que um sistema econômico energeticamente vegetativo, sustentando uma população humana pelo menos uma ordem de grandeza (10x) menor do que a que hoje vaga pelo planeta (8 bilhões). As implicações desse argumento — a total renúncia à tecnologia de massa, e, consequentemente ao nosso estilo de vida (iluminismo, democracia, capitalismo) é devastadora e não pode ser esgotada em um simples post de blog.
Eu gostaria de ver um debate substantivo sobre este tema em nossa língua mãe. Esta é uma pequena contribuição. Seguirei a inquirir.