A quinta-feira passada [21/07] poderá entrar para os anais da história como o início do fim da era das redes sociais, que deram o tom para o crescimento da internet desde o início do século. A estreia do ‘redesign’ do Facebook para ficar mais parecido com o TikTok deixa para trás a ênfase da rede no aspecto social.

A explosão do modelo das redes sociais foi uma decorrência do aparecimento e adoção quase universal do smartphone. No início, manter contato com amigos e compartilhar experiências era o centro de tudo o que as pessoas queriam fazer online.
No novo cenário que se desenha, a experiência online tiktokizada vai passar a girar em torno do que milhões de estranhos ao redor do mundo desejam e aprovam – completamente mediada por algoritmos. Com esse movimento a maior rede social sinaliza que quer se transformar em uma uma empresa de mídia digital de massa, em que a seleção do conteúdo é baseada nas reações de multidões de “usuários” anônimos processadas por aprendizado de máquina/redes neurais [t.c.c. “inteligência artificial”].
O Facebook chama esse processo de “Discovery Engine” [Máquina de Descobertas], porque o algoritmo expele recomendações muito confiáveis sobre qualquer coisa que possa prender a atenção do espectador. O que teremos nesta nova tendência é algo parecido com uma TV que muda de forma o tempo todo, com um número enorme de canais sem contexto, que aparecem e desaparecem refletindo o humor geral da rede em um determinado momento.
Doravante passa a ser muito improvável que você veja alguma coisa do conteúdo de seus amigos.
Tudo indica que é esse o modelo que os usuários mais jovens preferem, e é daí que vai sair a receita que o Facebook vai precisar, agora que as novas regras de privacidade da Apple e as ameaças regulatórias em todo o mundo enchem de incertezas o seu modelo de negócio.
Expressão máxima da Web 2.0
Durante bons quinze anos, as redes sociais – lideradas pelo Facebook, com outras redes a desempenhar um importante papel secundário – dominaram a cultura e a economia da internet. Mas a ilusão de que elas pudessem desencadear ondas de empoderamento democrático e liberar a autoexpressão em todo o mundo logo se desvaneceu quando o Facebook começou a transformar o “gráfico social” de relacionamentos humanos em uma máquina de fazer dinheiro.
Os rivais tombaram à esquerda e à direita [quem não se lembra do Orkut?]. A quantificação das amizades e os botões “curtir” transformaram as relações humanas em uma competição despersonalizada de “métricas”. A intervenção dos algoritmos, quebrando a ordem cronológica das postagens, obrigou as pessoas e, principalmente, organizações políticas, a aumentar o volume de seu discurso, na tentativa de enganar o sistema de avaliação. Com o tempo essa dinâmica se tornou um fator de extremismo, desinformação, discurso de ódio e assédio.
O estilo TikTok não melhora muito os problemas das mídias sociais. As postagens são ainda menos enredadas em uma teia de relacionamento social. Messe ambiente, quanto maior a multidão, mais alto o limiar de atenção para que o discurso seja notado
Portanto a era em que as redes sociais serviam como a experiência primária dos usuários da internet está ficando para trás. Isso também vale para o Twitter, que nunca realmente encontrou um modelo de negócios confiável. Seu futuro não parece muito brilhante.
A governança da Meta agora vê toda a estrutura de rede social do Facebook como uma operação legada, rumo ao ‘descomissionamento’
O grupo vai agora investir em seus aplicativos de mensagens e no chamado ‘metaverso’. O caminho fica livre para quem quiser atender a demanda por redes sociais clássicas, organizadas em ordem cronológica.
Uma visão otimista
Quem lê este blog deve ter percebido minha costumeira postura crítica às redes sociais e a repetição dos mantras de segurança e privacidade. Concordo que frequentemente soo como um proverbial tiozão da segurança/privacidade [existe isso??]. Embora eu encare a discussão desses problemas complexos como uma missão, ela via de regra leva à alienação do leitor ou ouvinte, e está se mostrando cada vez mais contraproducente [além de me trazer muitos problemas na esfera social].
É muito fácil ser cínico e simplesmente assumir que as coisas vão ficar pior do que estão agora. Neste post eu me restrinjo e ofereço uma visão mais humana e otimista sobre a questão. Talvez se torne o início de um novo pacto com meus caros leitores.
Concordo que tem havido uma profunda mudança na cultura “ocidental” nos últimos dez anos, e cerca de um terço de todo o mundo agora está no espaço virtual das mídias sociais (incríveis três bilhões de pessoas!). Mas eu começo a suspeitar que é um erro crer:
- que esse seja um estado de coisas irreversível, ou, alternativamente,
- uma espiral descendente em direção à débâcle tecnológica.
Não podemos esperar o pior das pessoas todo o tempo. Porque de qualquer forma elas podem mudar, se recuperar. Só quando você olha para a cultura com o olhar de um antropólogo é que você sai do paroquialismo do seu vilarejo mental e vê as verdades maiores.
Na verdade, dá muito mais trabalho imaginar uma sociedade melhor, porque isso requer ideias reais sobre o que pode ser diferente e como podemos chegar lá. Dizer “as coisas vão ficar do mesmo jeito, mas piores” é muito mais fácil do que dizer “as coisas poderiam ser diferentes e melhores, e aqui está como fazer”.
Portanto
Apesar de seu potencial para se tornar (como já se suspeita que seja) de fato uma ferramenta de propaganda do governo chinês, com base na minha experiência muito limitada vejo que o TikTok parece mais saudável e bem mais estúpido (no sentido de entretenimento insípido e inócuo) do que o Facebook e o Twitter – o que me parece muito bom (o usuário médio do TikTok não parece ter fixações revolucionárias ou violentas).
Nunca me indignei seriamente com algo que eu tenha encontrado nas poucas visitas ao TikTok — ao contrário do Facebook. O Discord parece ainda mais saudável do que qualquer uma daquelas plataformas. Portanto, pode ser que já estejamos a ver surgir um ecossistema mais íntegro.
O próprio fato de o Facebook deixar de ser uma rede social [no sentido estrito da expressão] deixa a arena livre para que outros atores possam agir com mais confiança para oferecer serviços que resgatem aquela sensação de intimidade e pertencimento que as redes sociais ofereciam no início de tudo – e para a qual a demanda certamente continua alta.
Mas para além da questão das plataformas, certos comentaristas [como Ezra Klein] consideram a atual era disruptiva “transitória”, na medida em que o surgimento de outros meios de comunicação sempre foi disruptivo e transitório. No fim de tudo as pessoas se ajustam. Talvez estejamos a caminho de nos tornarmos imunes ao sequestro da nossa atenção, indignação política e do Medo de Ficar Por Fora.
Quanto a mim, certamente me tornei muito bom em resistir à atração desses fenômenos sociais em todos esses anos. Mas poderei ceder ao apelo das redes, se eu puder contar com um ecossistema aberto, seguro e confiável.
~o~
(*) E eu queria realmente acreditar no que escrevi nos últimos cinco parágrafos…
Artigo super bem escrito. Obrigada. A minha opinião sobre tudo isso, sobretudo ao ver como a minha própria filha grudada no TikTok durante horas, é a seguinte: sim, a gente fica burro e descapacitado ao interagir nesse tipo de rede, sim é uma pena que tudo se reduza ao número de likes e sim sim sim o mundo mudou muito. Entretanto, eu opto pelo zen de não interferir em algo que eu não controlo. Eu apenas me mantenho fora disso e ajudo quem quiser pedir a minha ajuda a levar uma vida que tal pessoa considere saudável e cheia de propósito.
Quem sabe as tonterias do tiktok dêem propósito ao povo… vai saber.
Adoraria ler um artigo sobre esse novo funcionamento do algoritmo se possível 🙂
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Olá, Nayara. Obrigado pelo comentário.
Eu me afastei das redes em 2014 em um momento em qeu estava realmente farto delas. Não é fácil viver ao largo, sabendo das coisas por tabela, perder eventos sociais e ser um pouco esquecido. Mas não vejo outro comportamento possível, com as informações que tenho sobre como o modelo de negócios é gerido.
Eu gostaria de voltar ao convívio das redes. Espero que o FB se mande. Acho que as redes descentralizadas vão dominar. [acompanhe o Discord]
Quanto a entender o funcionamento do algoritmo, vou aproveitar como sugestão e tentar escrever algo a respeito, especialmente para ti.
Não tenho um bom link em portugues [esse é um dos motivos que me levaram a escrever um blog].
Achei algo que pode ser útil inicialmente. Mas ALERTA: é um conteúdo escrito por uma empresa de marketing. Leia apenas até *”Qual a importância do algoritmo para sua estratégia de marketing?”*
https://rockcontent.com/br/blog/algoritmo-do-facebook/
Um abraço e vamos falando.
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Muito bom o texto!
Eu atualmente não uso nenhum dos dois (Facebook ou Tiktok) mas sei o que são e a importância de ambos.
Fico curioso com o impacto nos usuários “fiéis” do Facebook como os meus pais, o que vai acontecer com eles. (Gente que não tem nenhum intimidade com tecnologia e aprendeu a usar o Facebook justamente pela sua função social)
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Pingback: Facebook Recua na TikTokização – Vox Leone
Olá, Fabiano. Prazer em vê-lo aqui.
Caro, um modelo totalmente algoritmizado como é o TikTok (e como quer o Facebook) é totalmente inadequado para nossas necessidades de contato social. Manter contato com nossos velhos seria difícil ou impossível.
Veremos agora a transformação dessas antigas redes sociais em empresas de mídia. Com isso poderá haver um reagrupamento em torno das redes clássicas desalgoritmizadas. Há um grande potencial de mercado para isso, considerando as leis de privacidade, e a crescente insatisfação com o extremismo e a vigilância, principalmente na Europa.
Alguém vai ocupar o lugar dos produtos Meta [como eu disse, siga o Discord, RealMe, etc]. Que eles sejam felizes como empresa de mídia. Já vão tarde. 🙂
Por enquanto a interação com os mais velhos está garantida [por mais alguns meses de mídia pseudo-social].
Forte abraço
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