Hoje não é Sexta de Leão. O post das sextas procura trazer informações interessantes e novidadeiras [e até profundas], com uma pegada casual e um olhar original, mas sempre com um fundo leve de chiste. Meu estado de espírito nesta semana não me permite chistes. Além da solidão do distanciamento social [que já não mais suporto] e do cansaço geral da pandemia, estou tentando entender o que as estatísticas do site estão a me dizer. Embora eu seja honrado pela atenção dos novos amigos e colegas que fiz na grande rede WordPress, vejo que as pessoas do meu entorno e os [sedizentes] amigos não visitam meu site. Como posso conquistar o mundo se não consigo conquistar minha roda de bar ou a grande família?

Eu costumo apoiar entusiasticamente os projetos dos amigos, mas não estou sendo reciprocado. Será que meu conteúdo, produzido com muito esforço, não está a contento? Será que não acreditam em mim e na minha capacidade? Por que não me dão feedback? Será que pensam que este é um projeto de vaidade? Será que não sabem que este site é um componente importante da estrutura de meu ganha-pão? Será que os ofendi de alguma forma? Ou, pior: será que também tiveram o cérebro sequestrado pelas infames redes sociais e se tornaram completamente incapazes de um pouco de concentração para entender textos como os que escrevo?
Confesso que talvez eu não seja bom para interagir em redes [minhas contas no FB e Twitter estão inativas há anos], apesar de administrar dezenas delas [construídas por mim]. Se isso é verdade, temo pelo meu futuro, na crescente e inexorável economia de rede. A reação [ou falta de] dos amigos ao meu trabalho pode ser um sinal precoce da minha obsolescência. Luto para me manter à tona e não ser varrido do mapa pelos ventos da mudança. Tangido pela exasperação, é sobre isso que decidi falar hoje.
Se você está dirigindo para o Uber ou trabalhando no iFood, seu pensamento, alguns anos atrás, seria: viva a gig economy, viva a liberdade, viva a flexibilidade! Isso tudo é muito bom. Acredito que deva existir muita coisa boa nessas novas empresas. Mas por outro lado, o lado humano, nesse ambiente você só tem chance de progredir aritmeticamente, como um operário de fábrica na Inglaterra da década de 1850. Você tem tempo flexível, mas sem propriedade, sem benefícios, sem aprendizagem, sem comunidade, sem potencial de crescimento geométrico e sempre sujeito às mudanças que eles fazem no centro da rede, aos ajustes que fazem no algoritmo e nas regras do jogo .
Se você ficar temporariamente incapacitado, em tratamento médico, ou atendendo sua família em algum percalço, a rede não precisa de você – o elemento na periferia do sistema. Você será imediatamente substituído por outro par de mãos. Você trabalha avulso, pela remuneração mínima, não construindo nada além de sua classificação no sistema deles, sem acumular vantagens, não importa o quanto você trabalhe. Seu milésimo dia no trabalho será igual ao primeiro.
Há um conjunto de empregos que tradicionalmente sempre foram província da classe média, como arquitetura ou medicina, mas esses empregos serão cada vez mais desviados para a rede, e o licitante mais barato e mais rápido obterá o contrato – por uma remuneração bem menor do que as pessoas costumavam ganhar pelo mesmo serviço na velha economia. Isso é a hiperglobalização. É a multiplicação por dez do que vimos na década de 1980, quando os EUA perderam a liderança na competição global em várias indústrias importantes da época, como aço e automóveis, e o ‘rust belt’ se formou.
As empresas centrais da economia em rede têm um impacto ainda maior sobre os consumidores [talvez nem mesmo este termo se aplique mais] do que tinham os gigantes de escala do passado, como a Standard Oil e a GM. Isso porque, nos tempos da economia de escala, você podia optar por um produto alternativo, caso não gostasse do produto oferecido.
Mas agora, não temos muita opção fora da rede. Estamos cativos. Não éramos cativos da GM, mas estou cativo, por exemplo, do Google e do Whatsapp [minha fonte particular de desgosto], porque é onde estão todas as pessoas importantes na minha área, meus clientes e potenciais clientes. Eu não posso escapar dessa situação. Estamos presos ao LinkedIn porque é assim que somos vistos pelos empregadores e parceiros com os quais interagimos. E não podemos simplesmente cancelá-los como faríamos tranquilamente com a GM.
Também ao contrário dos funcionários da GM, os motoristas do Uber precisam interagir com a rede do Uber em tempo real. Com a Ford, usei seus produtos por mais de 20 anos. Eles não tinham como me vigiar. Detroit não tinha acesso fácil ao meu nome e perfil financeiro. Mas as novas redes digitais otimizam nosso perfil de custo / benefício minuto a minuto. Eles são partes constantes de nossas vidas, extraindo o que podem de cada nó da rede. Eles sabem quem somos e conhecem nosso contexto familiar e econômico. É por isso que, aqui na extremidade da rede, estamos em desvantagem. A maioria dos nós da rede [si, nosotros!] são periféricos, e dançamos conforme a música dos algoritmos emanados do centro.

Economia de rede
Eis uma mudança importante no mundo: na economia de rede, temos um novo conceito de ‘self’. Uma mudança semelhante ocorreu na revolução industrial, quando passamos do cultivo autossuficiente de nosso próprio solo para estar na linha de produção e ser parte do sistema, trabalhando 16 horas por dia em um tear. A revolução industrial causou uma mudança de consciência. Estamos agora passando por uma nova mudança radical na consciência e na percepção de qual é o nosso lugar no universo.
A economia da rede precisa de um novo contrato social
Um “contrato social” é um acordo geralmente não escrito entre uma sociedade e suas partes componentes, para cooperar em benefício mútuo. É um acordo implícito que a maioria de nós aceita para que possamos “ser livres e procurar a felicidade” dentro de uma comunidade. É a narrativa que anima a nacionalidade; que une uma nação ou um mundo. É o que delimita o que podemos esperar um do outro. São as regras do jogo.
Por exemplo, o contrato social entre o governo e seus cidadãos nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial era [para os cidadãos]: formar-se no ensino médio, comprar uma casa, trabalhar 40 anos para uma empresa de grande porte [ou para o governo], se aposentar aos 64 e depois viver tranquilamente na Florida. A responsabilidade do governo era se esforçar para promulgar leis para tornar tudo isso realidade. Esse foi o contrato social original, e todas as outras histórias foram construídas em torno dessa história.
Durante o mesmo período, o contrato social entre empresas de grande porte e seus funcionários era que os funcionários devotassem 40 anos de serviço leal, em troca de estabilidade e uma aposentadoria tranquila.
É claro que essa versão antiga do contrato social já expirou há pelo menos 20 anos. Todos concordam com isso. Mas nem todos concordam sobre como devem ser os novos contratos sociais.
Aqui estão algumas ideias de coisas que serão diferentes agora que vivemos em uma economia em rede. Não é a melhor das utopias, e, talvez, de fato se transforme em uma distopia. Mas estamos aqui a registrar os fatos e não para expressar desejos.
O Novo Contrato da Sociedade com seus Cidadãos
- Você renunciará à sua privacidade.
O cidadão abrirá mão da privacidade para que o sistema o reconheça e possa otimizar seus resultados pessoais. É uma barganha [ao meu ver faustiana].
Aqueles que se chocam com a perspectiva de qualquer redução de privacidade [como eu], precisam aceitar que isso já aconteceu e que, quando lhe é dada a oportunidade de compartilhar seus dados para obter benefícios [ainda que mínimos], a grande massa das pessoas alegremente se rende às miçangas e espelhos.
Em troca, a sociedade [talvez] concordará que:
- Você terá um emprego (se tiver disposição e capacidade).
No passado, a tragédia era que mesmo os muito dispostos e capazes frequentemente não conseguiam um emprego. Com o advento da internet, se você quiser e puder, agora pode oferecer seu trabalho com custos mínimos: Dirigir Ubers, construir sites, entregar comida, se exibir sexualmente diante de uma câmera, etc. Se você quer mesmo um emprego, pode conseguir seu “emprego” [aspas duplas] na internet.
Infelizmente, a parte difícil desse cenário são as pessoas emocionalmente “divergentes” e introvertidas, mesmo sendo dispostas. Algumas dessas pessoas [de novo, eu] não são emocionalmente ou intelectualmente capazes de lidar com redes. Elas são ansiosas ou deprimidas demais para atuar em um nível alto o suficiente para serem membros valiosos da rede. Alguns são fisicamente incapazes devido a doenças genéticas ou acidentes.
Paralelamente, a transparência e a velocidade da tecnologia de rede tornarão mais difícil a competição no mercado de trabalho. As exigências aumentarão para o quão emocionalmente estável e inteligente você precisa ser para competir. Todos estarão ao sabor da lei de potência [lei de potência: os melhores se dão cada vez melhor e os piores cada vez pior].
As novas tecnologias vão deixar para trás as pessoas sem preparo emocional, automotivação ou inteligência. As mudanças vão privilegiar as pessoas mais extrovertidas e energéticas.
Isso parece assustador; um motivo para um levante social. Então, o que podemos fazer?
O melhor caminho a seguir parece ser “usar soluções da rede para resolver os problemas da rede” – construir sistemas para melhorar as pessoas e mantê-las relevantes para a rede. Mais treinamento, mais apoio, mais empregos de nicho, mais conexão através da rede.
- Você terá acesso a treinamento.
Muitos já o fazem. Você pode se auto educar como nunca antes, graças a uma quase infinidade de conteúdo na internet. E há os cursos online. Além disso, IAs de treinamento e conteúdo estarão em toda parte. Muitas interfaces de trabalho já estão se tornando “gameficadas”, capazes de fornecer feedback constante à medida que você aprende um novo trabalho.
- Você terá liberdade para escolher seu trabalho e como usará seu tempo.
Já estamos vendo milhões de pessoas escolherem a liberdade do horário flexível em vez de outros benefícios tradicionais, como férias [gasp!].
- O governo não impedirá o crescimento da rede.
Os governos são estruturas de pensamento hierárquico. Eles são os dinossauros em extinção e as redes correspondem aos primeiros mamíferos. As redes vão reduzir o poder do estado-nação. Por outro lado, as afiliações e conexões internacionais vão aumentar.
O novo contrato social deve evitar prender as pessoas com muita força. Os cidadãos vão abraçar a economia de rede e tenderão a não se apegar à economia de escala do mundo industrial. Já que as pessoas vão agir assim, os governos vão se adaptar de forma correspondente. A economia de escala não vai desaparecer, mas vai se tornar uma parte menor da vida e da economia, como aconteceu com a agricultura na era industrial.
- Você terá a mobilidade como norma de vida.
Morar em uma casa com um gramado aparado e cercas branquíssimas já não é o único sonho americano possível.
Se a história nos diz alguma coisa, os próximos SnapChat, Airbnb e Uber serão criados nos próximos vinte e quatro meses. Embora a próxima startup de um bilhão de dólares [a brasileira Aucky 😉] ainda não tenha adquirido um formato reconhecível, é certo que todas elas funcionarão baseadas no efeito de rede. Se no fim das contas isso vai ser positivo para você ou para mim, deixo como exercício mental [como dizia Einstein, um gedänkenexperiment] para o fim de semana.
Fonte: https://www.nfx.com/post/network-economy/
* * *
Deixo também uma saudação aos amigos que nunca a lerão. E meu agradecimento pelo apoio nunca recebido.
(*)Tentei seguir teu conselho e escrever humanamente, @Tati. Acho que exagerei.
Muito bom! Infelizmente, me identifiquei (tomando o cuidado de não ser injusta com alguns poucos) com “Eu costumo apoiar entusiasticamente os projetos dos amigos, mas não estou sendo reciprocado”. Difícil, né?
CurtirCurtido por 1 pessoa
Pois é Tati. É difícil mesmo. Você sabe conhece como ninguém o esforço necessário, imagino. O problema de fazer um blog é que ele obriga as pessoas ao redor a tomar posição e aí você enxerga, ou tem um vislumbre, de como você é percebido em sua roda. Claro que o caminho que escolhi é o mais difícil. Todo mundo usa tecnologia, mas ninguém quer discutir sobre ela. Reconheço que não é fácil. Mas eu procuro, pelo menos um dia da semana [como às sextas] postar algo de interesse geral. E é aí que não entendo meus chegados. Apenas a curiosidade deveria ser suficiente para atrair os amigos. Mas acho que eles não tem curiosidade sobre mim. Não vou pensar muito nisso para não pirar, mas foi uma revelação.
É bom ouvir a experiência dos outros, principalmente a sua. Obrigado pelo feedback. Bom findi! Abraços. 🙂
CurtirCurtido por 1 pessoa