Um geógrafo chamado Abraham Ortelius produziu em 1570 um maço encadernado de cinquenta e três mapas. Foi o primeiro atlas global e se tornou um best-seller.

Ortelius o intitulou Teatro do Mundo. Poucos anos depois, Jean de Gourmont sobrepôs essa “projeção de Ortelius” — o globo achatado em um oval — no rosto de um bobo da corte: uma “imago mundi” retratada como um festim de tolos.
E uma ou duas décadas depois disso, um artista desconhecido fez a gravura em chapa de cobre apresentada acima, com base em seu precursor em xilogravura. O Polo Sul está mais ou menos na posição do queixo, e Bornéu à direita [do leitor], perto da maçã do rosto. Este Mapa Mundi do Boné de Bobo se tornou uma das imagens mais amplamente reproduzidas do início da era moderna, embora ninguém possa dizer precisamente o que significa. O tolo representa nosso mundo, os esforços vãos de seus habitantes? Ou a futilidade da cartografia em si: suas presunções de completude, a busca por terra nullius? Talvez esses dois bobos da corte estejam ambos presentes ali, ao mesmo tempo.
As citações espalhadas pelo mapa dizem respeito principalmente ao significado mundano. Encontramos, inscritas à esquerda da figura em um “cartuche” flutuante, três respostas à vida na Terra, atribuídas, respectivamente, a Demócrito de Abdera, Heráclito de Éfeso e Epictônio Cosmopolita. Você pode “rir” de seus absurdos (deridebat); “chorar” sobre seu estado (deflebat); ou, como com o criador deste mapa, “retratar” suas propriedades (deformabat, uma palavra cuja etimologia talvez reconheça como toda representação cartográfica também é uma deformação). À medida que nossos olhos percorrem os outros textos [clique neste link para ver a imagem em resolução máxima ], encontramos citações que abrangem os polos do estoicismo e do pessimismo: de “conhece a ti mesmo” a uma pergunta que evoca o chapéu e os sinos do bobo da corte: “Quem não tem orelhas de burro?” Abaixo do mapa, há uma frase de Eclesiastes numerando os tolos no mundo como “infinitos”; no bastão, há um trecho que ecoa o Salmo 39: “Todas as coisas são vaidade, para todo homem vivente”. E na testa do tolo, lemos: “ó cabeça, digna de uma dose de heléboro”. O heléboro era uma planta medicinal associada à purgação e, portanto, boa para restaurar o equilíbrio dos humores. Era usada para tratar muitas coisas — flatulência, lepra, ciática —, mas o público do satirista teria associado essa planta à insanidade. Mas qual cabeça é diagnosticada aqui exatamente? Habitantes do mundo que buscam conhecimento global? Ou aqueles que o vendem na forma de mapas?
Na época em que este chapéu de tolo foi criado, os mapas estavam gradualmente se tornando cada vez mais onipresentes e úteis. Novos mapas estavam sendo continuamente desenhados e impressos, coletados e padronizados, e integrados a várias profissões. A maravilha e a arrogância dos mapas faziam parte do éter cultural; Os Ensaios de Montaigne são enquadrados como um diário de viagem do eu interior, e os personagens de Shakespeare repreendem a ambição cosmográfica. E, no entanto, a cartografia ainda estava em sua infância. O tamanho da Antártida e a localização da Austrália permaneceram desconhecidos para os europeus; a capacidade de calcular a longitude no mar tinha apenas décadas. Os mapas ainda não eram totalmente ferramentas do imperialismo, ou motores da navegação global, ou a infraestrutura burocrática do racismo. É difícil evocar um momento em que as pessoas comuns desconfiavam de mapas, quando o impulso de mapear parecia estranho, vagamente suspeito — ou mesmo, como o satirista poderia sugerir, uma manifestação de loucura. Há quanto tempo isso foi, e quão enterrado. As preocupações de um bobo da corte, por mais legítimas que fossem, eram facilmente ignoradas. “Vaidade das vaidades”, ele suspira. “Tudo é vaidade”.
Texto por Sasha Archibald e Hunter Dukes
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Tradução: Eraldo Marques (VL)