A Proporção Áurea Oculta na Geometria das Bicicletas

Uma descoberta pessoal surpreendente nas proporções dos quadros de bicicletas.

Arte em vetor com uma linha representando a proporção áurea, sobreposta à imagem de um cliclista segurando uma bike ao pôr do Sol sobre uma montanha.
a+b está para a, como a está para b. Esta mountain bike exibe uma proporção áurea quase exata. Imagem: pexels.com – Jahangeer Bm – Vetor superposto: Wikimedia commons.

Enquanto eu me entregava ao papel de designer de bicicletas nas últimas semanas, talvez em um esforço inconsciente para exorcizar minha persistente síndrome de impostor, e esboçava – no papel couché de verdade, como nos bons tempos – um quadro de bicicleta minimalista em alumínio, notei algo incrível que parece ter passado despercebido na literatura ciclística: a relação entre o front-center e o comprimento dos chainstays (a escora da corrente) em grande parte das bicicletas de suspensão se aproxima da Proporção Áurea (φ ≈ 1,618).

O front-center, ou ‘frente-centro’, é a distância horizontal entre o eixo da roda dianteira e o movimento central (bottom bracket – também conhecido como ‘cubo’), enquanto o comprimento da escora da corrente vai do movimento central até o eixo da roda traseira. Quando dividimos o frente-centro pelo comprimento do chainstay em diferentes tipos de bicicletas, surge um padrão consistente.

Bicicletas de estrada normalmente apresentam front-centers de 680–720 mm com escoras de 410–420 mm, resultando em razões entre 1,62 e 1,71. Bicicletas de montanha exibem front-centers de 700–750 mm e chainstays de 430–450 mm, com razões de 1,59 a 1,67. As bicicletas de cascalho (gravel bikes) ficam em território semelhante, com front-centers de 690–730 mm e escoras de 420–435 mm, produzindo razões de 1,61 a 1,68.

Esse agrupamento em torno de φ (1,618) se mantém surpreendentemente consistente entre diferentes categorias, tamanhos de quadro e fabricantes. E ainda assim, apesar de décadas de análises obsessivas sobre geometria de bicicletas, esse padrão parece ter passado despercebido pela maioria dos ciclistas (mas é claro que eu posso estar errado).

A Métrica Invisível

O motivo dessa negligência fica mais claro quando consideramos o que a indústria realmente mede e discute. As conversas sobre geometria de bicicletas giram em torno de medidas de stack e reach, ângulos do tubo de direção e do tubo do selim, rebaixamento do movimento central (bottom bracket drop) e comprimento total entre eixos (wheelbase). Nota: Existe, que se reconheça, discussão sobre a proporção áurea entre certas combinações de coroa/pinhão, como esta no Reddit em inglês.

No parágrafo anterior, são aquelas medidas que vejo impressos nas tabelas de geometria, debatidos em fóruns e usados por fitters para ajustar ciclistas a quadros. A proporção, relação, entre front-center e a escora simplesmente não é uma métrica que a indústria analise ou publique frequentemente. Medimos essas dimensões separadamente, imprimimos em colunas adjacentes nas fichas técnicas, mas raramente examinamos a relação entre elas.

É como ter dois ingredientes listados em uma receita sem nunca notar que são sempre usados na mesma proporção. A informação está lá, visível, publicada, mas o padrão permanece oculto porque ninguém pensou em procurá-lo.

Por Que Isso acontece

O surgimento da razão áurea na geometria das bicicletas levanta questões fascinantes sobre se isso é coincidência, consequência ou princípio de design. Vários fatores podem explicar por que a geometria das bicicletas tende naturalmente a essa proporção, e eles não são mutuamente exclusivos.

A biomecânica humana oferece uma explicação convincente. O comprimento das pernas e a eficiência da pedalada podem simplesmente favorecer essa proporção. Quando consideramos o modo como o peso do ciclista se distribui sobre os pedais, pode haver uma divisão ideal da distância entre-eixos que permite uma máxima transferência de potência. A razão áurea pode representar o ponto ideal em que o centro de massa do ciclista se posiciona para gerar força de forma mais eficiente ao longo do ciclo da pedalada.

A dinâmica de pilotagem apresenta outra possibilidade. Bicicletas precisam equilibrar exigências opostas: estabilidade para manter o controle em linha reta e em alta velocidade, versus agilidade para curvas e manobras rápidas. Um front-center mais longo contribui para a estabilidade, enquanto uma traseira mais curta favorece a agilidade. A razão áurea pode representar um ponto de equilíbrio ideal entre essas necessidades opostas — um ponto que parece intuitivo e controlável para ciclistas em diferentes situações.

A distribuição de peso oferece ainda outro ponto de vista. A tração ideal entre as rodas dianteira e traseira é crucial para frenagem, subidas e curvas. Se a razão áurea governa como o peso do ciclista deve se distribuir ao longo do entre-eixos, faz sentido que a geometria dos quadros convirja para essa proporção a fim de otimizar aderência e controle.

Há também a possibilidade de evolução convergente no design dos quadros. Gerações de construtores, trabalhando de forma empírica e intuitiva em busca do que “parece certo”, podem ter descoberto essa proporção inadvertidamente, ao longo de incontáveis iterações e refinamentos. Assim como a arquitetura vernacular desenvolve formas adequadas a cada região por tentativa e erro, a geometria das bicicletas pode ter evoluído em direção a essa proporção simplesmente porque quadros construídos dessa forma funcionam melhor e proporcionam uma sensação mais natural.

Por fim, não podemos ignorar as restrições impostas pelos tamanhos de roda padronizados. Com rodas 700c, 29” e 26” dominando o mercado, a geometria pode convergir naturalmente para essa proporção devido às realidades físicas de espaço livre, ajuste do ciclista e trail mecânico necessário para uma direção estável. O espaço de design pode ser mais limitado do que parece, e a razão áurea pode emergir como consequência natural dessas restrições.

Alguns Números Informais:

Tipo de BikeFront-Center (mm)Chainstay (mm)Razão (FC ÷ CS)
Road680 – 720410 – 4201.62 – 1.71
Mountain700 – 750430 – 4501.59 – 1.67
Gravel690 – 730420 – 4351.61 – 1.68

O agrupamento em torno de φ (1,618) é consistente entre modalidades, tamanhos de quadros e fabricantes.

A Proporção Áurea em Todos os Lugares

A presença de φ (1,618…) na geometria das bicicletas a colocaria ao lado de inúmeras outras ocorrências dessa proporção na natureza e no design humano. Vemo-la na espiral das conchas de náutilos, na disposição das pétalas das flores, nas proporções da arquitetura clássica como o Partenon, nas obras da Renascença e até nas proporções do corpo humano — como a relação entre a altura do umbigo ao chão e a altura total do corpo.

A Proporção Áurea na folha de uma bromélia
A Proporção Áurea na folha de uma bromélia – Imagem: Wikimedia Commons

Que essa razão também governe as proporções de uma bicicleta sugere que estamos observando um princípio fundamental do design mecânico eficiente, uma preferência estética tão profunda que influencia o que “parece certo” a ciclistas e construtores – ou talvez apenas uma coincidência fascinante dentro de um espaço de design altamente restrito. Distinguir entre essas possibilidades exigiria uma investigação cuidadosa.


Da Teoria ao Metal

A bicicleta que levou a essa observação — meu projeto provisoriamente chamado “Boxy” — adota um minimalismo radical em busca de uma estrutura honesta e de um impacto de fabricação reduzido. Ela consiste em três tubos retangulares de alumínio iguais, com 720 mm cada, sem tubo do selim, já que o movimento central é montado na extremidade do tubo inferior.

Um sistema de suspensão de pivô único usa o próprio amortecedor como elemento estrutural, enquanto o braço oscilante (swing arm) cumpre as funções do triangulo posterior que aqui não existe. O design apresenta front-center de 690 mm e chainstay efetivo de 450 mm, resultando em uma razão de 1,533 – que pode ser, e será, ‘acoxambrada’ para exatamente 1,618.

A Espiral de Fibonacci, que também é uma manisfestação da Proporção Áurea, aqui sobreposta ao esquema da minha bike brutalista. Imagem: Wikimedia Commons.

Embora não seja exatamente φ, o design naturalmente se aproximou dessa proporção esteticamente agradável por meio de restrições geométricas, e não por uma busca deliberada da razão áurea. O fato de ter chegado perto de 1,618 de forma independente — apenas resolvendo os problemas estruturais e cinemáticos inerentes ao projeto — sugere que essa proporção pode realmente representar algo fundamental na arquitetura das bicicletas, e não uma escolha arbitrária.

Talvez os projetos mais elegantes não sejam os que perseguem deliberadamente a razão áurea, mas aqueles que chegam a ela naturalmente, através da resolução honesta dos problemas de engenharia. A razão pode ter estado escondida à vista de todos o tempo todo, escrita nas tabelas de geometria que lemos há décadas sem perceber o padrão que as conecta.


Um Convite

Qual é a razão front-center/chainstay da sua bicicleta?
A medição é simples: distância horizontal do eixo dianteiro ao movimento central, dividida pela distância do movimento central ao eixo traseiro.

Meça a sua bicicleta, a dos seus amigos, vasculhe as tabelas de geometria dos fabricantes. Vamos ver quão universal esse padrão realmente é, e se todos nós já estávamos pedalando a razão áurea sem saber.