O Fim do Uber Barato

O dinheiro está ficando caro no mundo todo à medida que as taxas de juros aumentam, colocando fim a uma década de emergência de tecnologias “disruptivas”. O Uber talvez seja a mais notável entre elas.

Fim do Uber barato
Imagem: Pexels

A suposição geral sempre foi de que o Uber estava a queimar todo o dinheiro dos investidores com o objetivo de dominar o mercado. Uma vez que eliminasse o serviço de carros, os cartéis de táxi e, finalmente, seus rivais da carona, a empresa pararia de cobrar dos passageiros menos do que estava pagando aos motoristas [uma forma de subsídio] e os preços teriam que subir.

Pois a revista Slate reporta que na manhã de segunda-feira (23/05), um Uber de Manhattan para o aeroporto JFK custava US$ 100 – quase o dobro da tarifa fixa do táxi amarelo! Prossegue a Slate:

O confronto Uber-vs-táxi é a forma como a maioria das pessoas concebe o impacto do Uber no mercado, mas a Década das Viagens Baratas teve efeitos bem mais profundos em como vivemos e nos locomovemos. O fracasso de empresas de compartilhamento de carros como Maven e car2go é um exemplo de como todo esse subsídio do Uber distorceu o mercado, anulou modelos de negócios que de outra forma poderiam ter prosperado e mudou hábitos que poderiam ter perdurado. A empresa fez isso tanto para o bem – levando à redução do tamanho dos estacionamentos, suprimindo a direção embriagada – como para o mal – aumentando a propriedade de carros e o congestionamento do tráfego.

Uma consequência bem conhecida do subsídio ao passageiro é o declínio no transporte público. Um estudo estima que a chegada de Uber e Lyft em uma cidade diminui o número de passageiros de trem em 1,29% e o de ônibus em 1,7% a cada ano. Em São Francisco, onde o Uber foi fundado, os autores estimam que o Uber diminuiu o número de passageiros de ônibus em 12,7%. Um segundo estudo concluiu um declínio de 5,4% no número de passageiros de ônibus em cidades de médio porte. Um terceiro estudo registrou o declínio em 8,9%. Um fenômeno relacionado ao Uber foi um aumento considerável no congestionamento do tráfego no centro da cidade.

De volta a mim

Uber e Lyft fazem sucesso há uma década porque o monopólio desfrutado pelas empresas de táxi não dava a elas incentivo para melhorar seu serviço – nem mesmo para aceitar cartões de crédito. O bem indiscutível que as empresas de compartilhamento de viagens fizeram ao mundo foi forçar as empresas tradicionais de táxi a ir além dos motoristas mal educados, abraçar a tecnologia e levar a sério atendimento ao cliente. Na nova configuração do mercado que se estabelece, os táxis têm uma vantagem clara porque melhoraram seu produto e, ao mesmo tempo, contam com uma melhor regulamentação para seus motoristas, veículos e preços. Se Uber e Lyft quiserem acompanhar, é a vez deles se reinventarem.

A paisagem mudará radicalmente nos próximos 10 anos, de forma irreconhecível [contanto que não nos matemos no meio-tempo]. O Uber hoje está em um lugar de dor enquanto outras empresas e seus concorrentes achatam cada vez mais a relação custo/preço. O Uber está tentando encaixar um modelo de lucro do século 20 em um serviço onde imperam novos referenciais. Está em aberto se eles serão capazes de competir, a se manter essa atitude.

Los Contras

Muitos críticos apontam que o custo das operações não deve ser tão alto, pois, em termos físicos, a tecnologia é relativamente simples. Eles argumentam que basicamente o que Uber faz é conectar um servidor a um aplicativo; o aplicativo conecta motoristas e passageiros. É isso em essência. Depois que o aplicativo e os servidores estão configurados, a manutenção do sistema não pode ser muito cara, considerando tudo.

Esses críticos também lembram que o Uber tentou se tornar uma empresa de tecnologia criando veículos autônomos. Seus lucros faltantes hoje teriam sido consumidos nesse empreendimento fracassado. Além disso, há comentário sobre executivos a desviar para ganho pessoal muito mais do que sua parte devida da receita.

Em suma, a empresa poderia ser lucrativa apenas se atendo ao que ela faz bem. Mas talvez isso não seja o suficiente para seus líderes.

Advogado do Diabo

Concordo que eles não parecem ser uma empresa gerida de forma eficiente. Por outro lado, por ter passado parte da minha vida profissional no campo da logística, eu posso ver como é complicado [e portanto caro] manter o número necessário de motoristas para que os usuários sejam atendidos em tempo hábil, como os clientes da Uber estão acostumados. A Uber tem uma grande rotatividade de motoristas, e isso é insano.

Parte da despesa que muitos críticos não entendem é que o Uber paga grandes bônus e incentivos no primeiro mês para os novos motoristas para atraí-los para o rebanho, mas são incapazes de manter o ritmo de pagamento em função do cada vez mais escasso capital de risco e do irrealismo das baixas tarifas que eles cobram.

Obviamente, eles poderiam pagar mais aos motoristas para mantê-los no serviço, mas isso só faz aumentar as tarifas. Aumentar as tarifas tem um forte impacto na demanda. Os próprios estudos internos do Uber mostraram isso várias vezes. Há também o fato de que o aumento do pagamento dos motoristas é “para sempre”, mas o pagamento de bônus aos acionistas e outras despesas não podem ser facilmente reduzidos a qualquer momento.

Meu ponto é que se tivesse sido sempre fácil reduzir tão drasticamente as tarifas tradicionais de táxi como o Uber inicialmente fez, isso já teria acontecido. Sim, eles economizaram dinheiro não tendo que fornecer os veículos para o serviço, mas de agora em diante eles serão obrigados a pagar mais aos seus motoristas, para mantê-los dirigindo e destruindo seus próprios veículos. Com o passar do tempo, os mitos sobre o dinheiro fácil que os motoristas supostamente podem ganhar com o Uber foram amplamente destruídos. Isso também dificulta a retenção de motoristas.

O Uber ainda continuará a existir com tarifas mais altas e talvez ele ate se torne melhor, do ponto de vista do cliente, do que muitas empresas de táxi. Mas a vantagem que costumava ter tem diminuído rapidamente, com seus concorrentes agora se tornando também capazes de prestar um serviço lucrativo.

Parte do que impediu as empresas tradicionais de táxi de competir com o Uber é que elas não puderam investir em um aplicativo e atrair mais motoristas justamente porque as tarifas que estavam praticando não estavam sendo lucrativas – por causa do Uber. Para competir com o Uber elas só podem cobrar um certo tanto, e, nesse ponto, a maioria dos consumidores pagará com prazer um pouco mais ao Uber do que a uma empresa de táxi, talvez pela dinâmica cultural em curso. Lamentavelmente, o Uber não soube usar essa margem que sempre teve.

Para terminar

Aumentar as tarifas é a maneira mais rápida de curar as preocupações atuais do Uber quanto a um influxo menor de dinheiro vindo do capital de risco. Mas aumentar as tarifas significa oferecer menos viagens, o que também afeta o pagamento do motorista. Menos passageiros equivale a menos tarifas.

No fim de tudo, o Uber só conseguiu obter o número de passageiros que possui vendendo corridas com prejuízo. Como o artigo que enfocamos aponta, esse tempo acabou. Agora o Uber vai se tornar uma empresa de táxi como qualquer outra, e será forçado ao paradoxo de ter que atrair passageiros praticando tarifas cada vez mais altas.

O maior obstáculo a ser superado é interno. O Uber construiu toda a sua cultura sobre o pressuposto duvidoso de que ele era a “Próxima Grande Coisa” transformadora. De fato era, desde que tivesse conseguido obter trinta bilhões de dólares para queimar, mas esse dinheiro acabou.

Será um ajuste difícil para alguns de seus orgulhosos funcionários quando perceberem: “Ei, não somos uma empresa de tecnologia; somos apenas uma empresa de táxi”…

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